Por Míriam Aguiar.
Dando sequência às classificações dos Grands Crus de Bordeaux, inaugurada em 1855 para vinhos do Médoc e de Sauternes, agora será a vez do lado direito do Rio Dordogne (o Médoc está do lado esquerdo do outro afluente, Garonne). Próximo às comunas de Saint-Émilion e Libourne, as pequenas produções de Saint-Émilion e Pomerol também começaram a se destacar na segunda metade do século XIX. Percebendo que as suas acomodações mais rústicas e antigas não correspondiam ao status de um Château, aos poucos, os produtores foram modernizando as suas propriedades e criando nomes para se projetarem.
Já em 1850, o Cheval Blanc se destacava como um candidato a Premier Cru. Porém, tendo perdido a Classificação de 1855, os vinhos dessas regiões começam a participar de exposições para premiar e promover seus nomes no mercado de Paris.
Saint-Émilion só veio ganhar a sua Classificação Oficial em 1955. Diferentemente da soberania atemporal dos Grands Crus do Médoc, esta classificação vem passando por algumas revisões. Ali também foram classificados os Grands Crus, mas de forma mais sucinta. Há duas categorias: Premier Grand Cru Classé e Grand Cru Classé e há uma subdivisão em grupo A e grupo B para o primeiro time. Em torno de a cada dez anos tem sido feita uma reavaliação, que contempla uma verificação dos já existentes e uma análise de novos candidatos. Isso vem lhe dando certa mobilidade e heterogeneidade.
A última reavaliação se deu em 2012 e inaugurou mudanças regulamentares, como: a criação de uma comissão de avaliadores do INAO, sem envolvimentos diretamente no business de Bordeaux, a concessão de mais ênfase ao critério avaliação sensorial na contagem final (50%) e a redução da influência do preço na computação.
Hoje, a Classificação de Saint-Émilion se encontra assim :
Quatro Premiers Grands Crus Classés Grupo A (Château Angélus, Château Ausone, Château Cheval Blanc, Château Pavie) a distinção « A » para quatro Châteaux notabiliza o longo histórico de reputação dessas vinícolas e o excepcional potencial de guarda de seus vinhos;
Catorze Premier Grands Crus Classés Grupo B; Sessenta e quatro Grands Crus Classés.
GRANDS CRUS CLASSES DE SAINT-ÉMILION
Veja a relação de todos vinhos classificados pelo link:
http://www.vins-saint-emilion.com/sites/default/files/vins-de-saint-emilion-classement-2012.pdf
Faço referência aqui a artigo científico de Colin Hay, na área de sociologia econômica, no qual ele apresenta resultados de pesquisas que avaliaram a influência de algumas classificações na precificação dos vinhos de Bordeaux. O estudo observou essa variação em relação aos Grand Crus do Médoc e de Saint-Émilion, comparativamente. Os resultados indicam que a Classificação de 1855 para os vinhos do Médoc tem um papel fundamental na sustentação do status das vinícolas e que a maior variabilidade dos preços se dá em função das safras.
É na avaliação anual das safras que a influência do crítico Robert Parker será decisiva para dar o veredito quanto às qualidades dos vinhos, o que poderá impactar de modo genérico os preços da apelação. Isso se dá, em parte, pela forte reputação da Classificação de 1855 e, em parte, pelo fato desses vinhos, especialmente os mais célebres, de Pauillac, terem em sua composição uma porcentagem maior de Cabernet Sauvignon, uma uva de maturação tardia, que depende da colaboração climática para otimizar a qualidade do vinho. Assim, haveria no Médoc uma justaposição de sistemas (1855 + Parker), que mantém a hierarquia das vinícolas e desloca a susceptibilidade para o fator safra.
No caso de Saint-Émilion, que tem grande porcentagem de Merlot e um vinho com perfil mais moderno, o impacto da safra seria menor nos preços. Por outro lado, como o seu sistema de classificação é menos reconhecido, apesar de suas revisões e diferenciais, a influência de Parker quanto à posição das vinícolas no ranking e respectivos preços seria muito mais decisiva. Há, portanto, mais variabilidade da qualificação entre Châteaux, que funciona mais à mercê do mercado, independentemente do sistema de classificação.
Seguinte à Classificação dos Grands Crus de Saint Émilion, em 1959, foi a vez dos Grands Crus de Graves criarem a sua própria. Na categoria mais alta: o Premier Grand Cru Classé já pertencente ao time de 1855, Château Haut Brion. No período de sua inclusão, ter sido o único vinho selecionado gerou polêmica e indignação em vários produtores e, a partir da criação do Sindicato Vitícola de Graves, em 1904, criar uma classificação própria se tornou um dos principais objetivos da Apelação. Uma relação de 14 Crus foi eleita primeiramente pelo INAO, em 1953, estendida e reconhecida pelo Ministério da Agricultura em 1959.
Ao total, 16 Châteaux classificados como Grands Crus Classés, todos de Pessac-Léognan, e 01 Premier Grand Cru Classé: o mesmo Château Haut Brion. Mas a Classificação de Graves tem um perfil distinto: sendo uma região de ótimos vinhos brancos secos, alguns Châteaux (6 deles) têm um vinho tinto e um vinho branco na categoria de Grand Cru Classé. Isso faz com que a Classificação de Graves some, em sua totalidade, 22 vinhos: 16 tintos e 6 brancos.
GRANDS CRUS CLASSES DE GRAVES
Veja a relação de todos vinhos classificados pelo link:
http://www.crus-classes-de-graves.com/pdf/Dossier_de_presse_UCCG_2008_francais.pdf
O Pomerol foi a única dentre as mais célebres AOC’s de Bordeaux a não fazer a sua classificação oficial, embora seja, na atualidade, reconhecida como um dos expoentes de Bordeaux, com vinhos de grande finesse.
A região já gozava de reconhecimento na segunda metade do século XIX, mas foi drasticamente atingida pela Filoxera e a sua recuperação se deu de fato após 1945. Ali reina a uva Merlot, que ocupa ¾ da superfície dos vinhedos, seguida pela Cabernet Franc, com dos vinhedos e apenas 5% de Cabernet Sauvignon. Isso dá um perfil mais acessível aos seus vinhos, que, embora envelheçam bem, podem ser bebidos mais jovens, diferentemente de muitos dos grandes vinhos do Médoc.
Sendo assim, a despeito da falta de uma classificação oficial, não faltam julgamentos favoráveis a esses vinhos, em média, os mais caros de Bordeaux, a começar pelo Château Petrus, cujo valor de uma garrafa da safra 2.000 está na casa do 4.000 euros, na origem. Assim como existiam classificações não oficiais no Médoc, há uma classificação de Grands Crus do Pomerol praticada no mercado, encabeçada pelo único Cru Hors de Classé de Bordeaux o Château Petrus e seguida por nove Premier Grands Crus Classés e nove Grands Crus Classés. Há algumas variações nas citações, mas insiro aqui a que considerei mais unânime, embora não descarte a possibilidade de outros serem tratados como tal:
GRANDS CRUS CLASSES DO POMEROL
Veja a classificação não-oficial dos vinhos do Pomerol pelo link:
Bem, em meio a 57 AOC’s, 7800 viticultores, 300 negociantes, 93 corretores, 40 caves cooperativas, não há classificação que baste e que não seja polêmica. Portanto, os « excluídos » tratam de se incluir de algum modo e isso não é difícil numa realidade em que se multiplicam rótulos e classificações de guias, concursos, imprensa, etc.
Excluídos da Classificação de 1855, produtores menores do Médoc trataram de se organizar para criar um regulamento próprio. Assim, em 1932, foi criada a primeira classificação dos Crus Bourgeois, nome que homenageia os comerciantes burgueses (« bourgeois »), que se instalaram próximos à cidade de Bordeaux ainda no século XV. Bem sucedidos com suas atividades comerciais no exterior, especialmente com a Inglaterra, foram adquirindo as melhores terras da região, onde floresceram muitos crus de Bordeaux. A classificação dos Crus Bourgeois passou por vários ajustes e revisões e só em 2009 conseguiram a homologação pelo poder público francês.
A última relação inclui 256 Châteaux, divididos em três categorias: Crus Bourgeois Exceptionnels, Crus Bourgeois Supérieurs e Crus Bourgeois. Os diferenciais defendidos pelos Crus Bourgeois em relação aos Grands Crus Classés do Médoc são: a checagem periódica da classificação (por auditorias nas propriedades e degustações às cegas anuais) e o preço, bem mais abordável, para vinhos também de alta estirpe. Tranquilamente, in loco, é possível encontrar esses vinhos na faixa de 20 a 40 euros, enquanto os Grands Crus Classés do Médoc variam na média entre 80 e 300 euros a garrafa.
Veja a relação de todos vinhos classificados como CRUS BOURGEOIS pelo link:
http://www.crus-ourgeois.com/IMG/pdf/liste_selection_officielle_2011_des_crus_bourgeois_du_medoc.pdf
Como se não bastasse, há ainda os « Petit Châteaux », abertos às mais variadas classificações, gostos e bolsos. É por aqui que transitam os consumidores « pobre mortais », com direito a descobertas excepcionais!
CLASSEMENT GRANDS CRUS GRAVES 1959
CHATEAU HAUT-BRION Premier Cru Classe en 1855 Cru Classe de Graves rouge
CHATEAU BOUSCAUT Cru Classe de Graves rouge & blanc
CHATEAU CARBONNIEUX Cru Classe de Graves rouge & blanc
DOMAINE DE CHEVALIER Cru Classe de Graves rouge & blanc
CHATEAU COUHINS Cru Classe de Graves blanc
CHATEAU COUHINS-LURTON Cru Classe de Graves blanc
CHATEAU DE FIEUZAL Cru Classe de Graves rouge
CHATEAU HAUT-BAILLY Cru Classe de Graves rouge
CHATEAU LA MISSION HAUT-BRION Cru Classe de Graves rouge
CHATEAU LA TOUR HAUT-BRION Cru Classe de Graves rouge
CHATEAU LATOUR-MARTILLAC Cru Classe de Graves rouge & blanc
CHATEAU LAVILLE HAUT-BRION Cru Classe de Graves blanc
CHATEAU MALARTIC-LAGRAVIERE Cru Classe de Graves rouge & blanc
CHATEAU OLIVIER Cru Classe de Graves rouge & blanc
CHATEAU PAPE CLEMENT Cru Classe de Graves rouge
CHATEAU SMITH HAUT LAFITTE Cru Classe de Graves rouge www.crus-classes-de-graves.com
RELACÃO DE GRANDS CRUS CLASSES SAINT-EMILION PROPOSEE PAR LA COMMISSION DE CLASSEMENT DES CRUS DE L’APPELLATION D’ORIGINE CONTROLEE SAINT-EMILION GRAND CRU
PREMIERS GRANDS CRUS CLASSES
Chateau Angelus (A)
Chateau Ausone (A)
Chateau Cheval Blanc (A)
Chateau Pavie (A)
Chateau Beausejour (heritiers Duffau-Lagarrosse)
Chateau Beau-Sejour-Becot
Chateau Belair-Monange
Chateau Canon Chateau Canon la Gaffeliere
Chateau Figeac Clos Fourtet
Chateau la Gaffeliere
Chateau Larcis Ducasse La Mondotte
Chateau Pavie Macquin
Chateau Troplong Mondot
Chateau Trottevieille
Chateau Valandraud
GRANDS CRUS CLASSES
Chateau l’Arrosee
Chateau Balestard la Tonnelle
Chateau Barde-Haut
Chateau Bellefont-Belcier
Chateau Bellevue
Chateau Berliquet
Chateau Cadet-Bon
Chateau Capdemourlin
Chateau le Chatelet
Chateau Chauvin
Chateau Clos de Sarpe
Chateau la Clotte
Chateau la Commanderie
Chateau Corbin
Chateau Cote de Baleau
Chateau la Couspaude
Chateau Dassault
Chateau Destieux
Chateau la Dominique
Chateau Faugeres
Chateau Faurie de Souchard
Chateau de Ferrand
Chateau Fleur Cardinale
Chateau La Fleur Morange
Chateau Fombrauge
Chateau Fonplegade
Chateau Fonroque
Chateau Franc Mayne
Chateau Grand Corbin
Chateau Grand Corbin-Despagne
Chateau Grand Mayne
Chateau les Grandes Murailles
Chateau Grand-Pontet
Chteau Guadet
Chateau Haut-Sarpe Clos des Jacobins Couvent des Jacobins
Chateau Jean Faure
Chateau Laniote
Chateau Larmande
Chateau Laroque
Chateau Laroze Clos la Madeleine
Chateau la Marzelle
Chateau Monbousquet
Chateau Moulin du Cadet Clos de l’Oratoire
Chateau Pavie Decesse
Chateau Peby Faugeres
Chateau Petit Faurie de Soutard
Chateau de Pressac
Chateau le Prieure
Chateau Quinault l’Enclos
Chateau Ripeau
Chateau Rochebelle
Chateau Saint-Georges-Cote-Pavie Clos Saint-Martin
Chateau Sansonnet
Chateau la Serre
Chateau Soutard
Chateau Tertre Daugay
Chateau la Tour Figeac
Chateau Villemaurine
Chateau Yon-Figeac
CLASSIFICAÇÃO NÃO-OFICIAL GRANDS CRUS POMEROL
Cru Hors Classé : Château Petrus
Premiers Grands Crus Classés
Château Certan-Giraud
Château la Conseillante Vieux-Château Certan
Château L’Evangile
Château La Fleur-Pétrus
Château Gazin
Château Lafleur
Château Petit-Village
Château Trotanoy
Grands Crus Classés
Château Beauregard
Château Certan-de-May
Château La Croix
Château l’Eglise-Clinet
Château Lagrange
Château Nénin
Château La Pointe
Château Rouget
Château Vieux Maillet
Link da primeira parte: https://blogdojeriel.com.br/2014/02/passageiros-de-primeira-classe-bordeaux-e-suas-classificacoes-1-round/
É bom ter alguém como você, Miriam, com esta determinação acadêmica de não apenas opinar, mas trazer à luz aquilo que já foi estabelecido e tornou-se tradição. Não significa dar “amém” ao instituído, mas ter isso como ponto de partida. Seus artigos facilitam o trabalho na área, assim como didaticamente coloca o leitor numa posição de partida de bom nível. Parabéns a você e ao Jeriel!
Breno, so agora vi seu comentário….eh a nossa correria do dia a dia. Queria te agradecer as generosas palavras. Para quem mergulha como eu no processo de conhecimento para iluminar a minha vida e fazer um pouco de diferença nas daqueles que estão ao meu redor e que me escutam de algum modo, voce sabe muito bem que a palavra de reconhecimento bem colocada eh o mais bendito prêmio. Muito obrigada!
Miriam, obrigado por facilitar o entendimento dos “Bordeaux”. Contudo, peço a gentileza V.Sa. citar alguns produtores classificados como “Crus de Borgeois” e seus respectivos vinhos que se enquadran na na faixa de 20 a 40 euros in loco.
Grato
Jose Lauro –
Boa noite, Jose Lauro! Bem, existem muitos bons, mas Bordeaux é uma região cujos vinhos podem variar bastante de uma safra a outra. De modo geral, as safras de 2005, 2009 e 2010 foram excepcionais e há muitos vinhos bons, mas os seus preços também tendem a acompanhar a reputação da safra. Na dúvida, é sempre um bom palpite. Há também a questão das preferências, as sub-apelações do Medoc têm perfis bem distintos. Saint-Estephe e Pauillac, por exemplo, tendem a vinhos bem viris, que devem ser esquecidos por um bom tempo na adega e Margaux, especialmente, terá potência, mas em menor grau, mais aromas, mais elegância, o que me encanta. Quanto aos preços, é possível encontrar até Grands Crus Classes com a quantia de 40 euros….mas tem de ser lá, porque os impostos do Brasil bebem grande parte dos nossos vinhos !!!
Colhi alguns nomes em seleções de profissionais sérios e você pode buscar informações mais detalhadas posteriormente, para fazer uma seleção mais afinada com o seu gosto, bolso e o quanto « aguenta » ou pretende esperar para degusta-los.
Um adendo ao artigo (de dado não citado anteriormente) cabe aqui: é o fato de que a partir da classificação de 2008, evitou-se a hierarquização anterior em 3 categorias e isso acabou estimulando a saída de alguns Chateaux classificados como Exceptionnells, que não concordaram com a indistinção. Eles estão grifados abaixo, já que, embora não constem da ultima lista, provavelmente eles estariam presentes se não fosse essa mudança na classificação.
CHÂTEAU POUJEAUX, CHÂTEAU PHELAN-SEGUR, CHÂTEAU LES ORMES DE PEZ, CHÂTEAU LES ORMES SORBET, CHÂTEAU LABEGORCE-ZEDE, CHÂTEAU HAUT-MARBUZET, CHÂTEAU CHARMAIL, CHÂTEAU MONGRAVEY, CHÂTEAU LE CROCK, CHATEAU CLARKE, CHÂTEAU MURET, CHÂTEAU GRAND BERTIN DE SAINT CLAIR, CHÂTEAU MONBRISON.
OUTROS : CHÂTEAU SOCIANDO MALLET, CHÂTEAU GLORIA, CHÂTEAU OLIVIER (GRAND CRU CLASSE), CHÂTEAU BOUSCAUT (GRAND CRU CLASSE), CHÂTEAU LUCHEY-HALDE
Vale sempre lembrar que a compra “en primeur” – compra de vinhos da nova safra, ainda não comercializados e que serão enviados posteriormente – é algo que funciona muito em Bordeaux para se adquirir os melhores vinhos a preços mais abordáveis.
Finalmente, cada vez mais tem surgido importações novas de gente que garimpa a Franca atrás de opções vendáveis no Brasil. Futuramente, pretendo fazer um post a respeito.
Abraço! Miriam Aguiar