Crédito da imagem – aromasdovinho.com.br

Um dos pontos altos das formas de expressão de auto-afirmação vazia de alguns seres humanos, é tentar mostrar uma pseudo-intimidade com objetos capazes de representar modalidades culturais historicamente bem estabelecidas, associadas às “partes nobres” de quaisquer formas de estruturas hierárquicas sociais. Aí se inserem as artes em geral e outros símbolos de status dentre os quais, o vinho se transformou a certo tempo. Espero que isso mude, pois ao escrever este tipo de texto não faço mais do que buscar timidamente dissolver estas diferenças (que todos que desejarem possam ter uma taça de vinhos à mão e um livro de Michel Serres à outra!). Antes de me perder na filosofia, devemos admitir que o esnobismo no vinho é uma destas formas de auto-afirmação. Alguém que afunda o nariz na taça e desfila aromas imaginários! Mas o vinho permite isso, pois ele não atrela a sua “realidade química” à realidade subjetiva (e livre) da linguagem, conforme expliquei em um dos meus primeiros textos publicados aqui, quem leu sabe! Todavia, alguns aromas que para os iniciantes parecem também elementos de expressão de uma personalidade pernóstica, tem lá a sua justificativa química. Poderia dizer que “A Química é o teste de DNA que ao mesmo tempo desmascara e permite a falácia”! Vamos aos aromas? ALGUNS AROMAS QUE GERAM “ESTRANHEZA” Animal, vegetal e mineral! Os três reinos que compõem o planeta. Que a videira é vegetal, tudo bem, mas de onde inventam que os vinhos possuam aromas animais e minerais?

AROMAS ANIMAIS

Esta família possui alguns aromas esdrúxulos como o couro e xixi de gato. Vamos explicá-los: 1. Couro: em primeiro lugar um aroma de couro é um aroma de “pele”, certo? E o que é a pele? Um conglomerado de proteínas que por sua vez se compõem de aminoácidos. O couro para perder seus aromas desagradáveis é preciso ser curtido e isso se faz quimicamente com o uso de cromo ou “naturalmente” com o uso de taninos! A “tanagem”, que utiliza taninos vegetais de cedro, castanheira e carvalho, é o processo preferencial e menos poluente de evitar que uma pele animal apodreça e se transforme em couro. Assim, nos vinhos em que se misturam taninos e aminoácidos o resultado aromático é quase idêntico. De onde vem os aminoácidos? Das membranas das leveduras. Os vinhos tintos atuais que usam vinificação “sob as borras de leveduras” (borras são as membranas rompidas – a autólise), acentuam as notas de couro sobretudo em vinhos de castas tânicas como Cabernet Sauvignon, Tannat, Mourvèdre.  2. Xixi de gato: este aroma apesar do nome, não é considerado um odor de urina stricto sensu, porque é observado na natureza sobretudo em vegetais, como algumas famílias de plantas europeias (como o cassis) e arbustos africanos. Sua origem química vem dos “tióis”, substâncias à base de enxofre derivadas de álcoois que propiciam aromas de frutas tropicais sobretudo o maracujá, a toranja (grapefruit) e notas vegetais intensas lembrando a babosa. Por excelência a casta que mais expressa isso é a Sauvignon Blanc, pois é rica em precursores aromáticos que podem se transformar nos tióis voláteis específicos que geram o odor. Mas é preciso que não amadureçam demais no pé, sob risco de perderem os precursores e consequentemente sua tipicidade. Hoje em dia, existem até leveduras selecionadas específicas para gerarem aromas de Sauvignon! Isso, infelizmente, pode servir para disfarçar tratamentos sanitários das plantas, que são à base de cobre, que além de potencialmente tóxico é capaz de degradar todos os tióis. Recado óbvio: se beber um vinho de Sauvignon de vinhedos orgânicos ou biodinâmicos, de aromas típicos e de acidez notável, fique tranquilo: é mesmo fruto da terra e não do laboratório!

AROMAS MINERAIS

Notas minerais não são sempre fáceis de se puxar pela memória, não são intuitivas e mesmo a explicação para elas incitam controvérsias, já que não parece ser tão óbvio quanto parece, querer associar o teor do subsolo com o aroma (nunca vi alguém sugerir prospecção de petróleo embaixo de pés de Riesling!). Os aromas ditos minerais ocorrem tanto em brancos como em tintos, mas são bem mais identificáveis nos primeiros. Os descritores clássicos são a “pedra-de-isqueiro” (variante da sílex) e as notas de querosene ou petróleo de uvas como a citada Riesling. Algumas vezes lembram “talco”, mas haja memória olfativa (eu me lembro de manipular pedras de esteatita ou talco, na 7ª série do ginásio). Partindo do princípio que os elementos minerais de um solo perfazem 40-60% de sua composição e a maior parte do restante é de água, deveríamos pressupor que qualquer vinho tivesse nuances minerais. NÃO é o que ocorre. Todavia, na maioria dos vinhos “minerais” há predominância de calcário e ardósia em lugar de argila e areia, por exemplo. Segundo dados da Escola Agrícola de Montpellier, na França tão reputada quanto a de Bordeaux, a videira de alguma forma, através de alguns órgãos como as folhas e os bagos mimetizam o ambiente em que vivem, ou seja, isso indica que podem se expressar de maneira “mineral” em solos minerais. Mas as escolas francesas também afirmam que estes aromas podem se dever à compostos específicos sulfurados ou por fenômenos redutivos de determinados compostos químicos do vinho. Dentre eles, as pirazinas, que classicamente são os responsáveis pelos aromas de pimentão associados aos vinhos de uvas não completamente maduras de castas como a Cabernet Sauvignon. O aroma de petróleo dos velhos vinhos de Riesling tem origens no composto chamado TDN, abreviação de Trimetil Diidro Naftaleno, um derivado carotenóide. Os carotenóides estão entre as principais famílias geradas pelas vias químicas de sintetização de substâncias odorantes das uvas (basicamente à partir da molécula de acetil-CoA se formam diversos álcoois terpênicos e os derivados carotenóides, também classificados como norisoprenóides que também geram aromas de frutas tropicais, violetas, menta, canela entre outros). Dentre várias teorias possíveis, o TDN está associado de modo diretamente proporcional ao grau de trituração das colheitas: quanto mais as uvas são prensadas, mais TDN surgirá. Outras teorias foram aventadas, algumas publicadas há poucos meses na revista ADEGA. Para terminar, estes estudos fazem parte de uma “Teoria global da maturação da uva”, que tenta explicar o comportamento da planta que funciona como se tivesse uma memória genética muito vasta que lhe permite sobreviver.

Texto de André Logaldi.

André Logaldi elabora textos de fácil leitura que são muitíssimos acessados neste blog. Parabéns André, os leitores agradecem!
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2 thoughts on “Como nascem aromas inusitados nos vinhos?”

    1. Andy, nenhum texto meu tem a intenção de esgotar um assunto! Li o texto linkado por você e ele, pela sua abrangência, teve que sacrificar a profundidade, afinal no caso do petróleo por exemplo, ele se limita a dizer que é causado pelo TDN. O mineral (flinty) também pouco diz, o pipi de chat nem é citado…(até reproduzo abaixo para criar um atalho para quem quiser compará-los). Eu parto do princípio de “dissecar” um pouco mais os focos pontuais do assunto. Se eu tivesse a pretensão de esgotá-los teria de sugerir livros, esta não é minha intenção! Poucos textos meus também vão em busca de conclusões, eu tendo a encarar tudo como verdades transitórias, por isso em mais de um texto eu disse que não faço prescrições, apenas abordo o assunto de um modo particularizado. Mas, obrigado! Adoro leituras críticas, eu mesmo tenho esse hábito! Abraço!

      LEATHER
      Cuir (F) Leder (G) Pelle (I)Cuero (S)
      Part of the complexity of many fine reds, especially with some age, but it should never dominate at the expense of fruit. It can sometimes be a dry, almost tactile, impression ofethanol (alcohol) just beginning to peep through the fruit.

      PETROL
      Essence (F) Benzin (G) Benzina (I) Gasolina (S)
      Anyone who has siphoned fuel from a car will know that the classic bottle-aged aroma of Riesling has nothing in common with either the smell or the taste of petrol (kerosene or gasoline), yet once experienced the so-called petrol aroma is one of the easiest recognised and least argued about wine characteristics.
      TDN (trimethyldihydronaphthalene)
      FLINTY
      Pierre à fusil (F) Feuersteinartig (G) Selce (I) Pedernal (S)
      Along with minerally, the taste or aroma of flint is commonly attributed to the soil, but most probably a combination of varietal characteristics and pyrazines from early harvesting or too much vigour.

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