Muitos enófilos iniciantes começam a incrementar seu aprendizado se lançando à prova de vinhos de qualidade por um preço ainda acessível e para isso nada melhor que os produzidos por Chile, Argentina, Uruguai e futuramente, se o governo ajudar, pelo Brasil.

Alguma acessibilidade gustativa também marca a Carmenère, que já é cativa de alguns destes amigos que amam vinhos e preferem começar pelos vizinhos sul-americanos!

Há uvas que se tornam estandartes de certos países, mesmo que sejam originárias de outras terras e a Carmenère é a uva emblemática chilena, depois de muitos anos sendo plantada em meio a vinhas de Merlot, com a qual era confundida. Coube a um ampelógrafo francês, Jean-Michel Boursiquot, desfazer a confusão em 1994. À partir de 1996, embora haja controvérsias, a Viña Carmen assumiu a “maternidade” do primeiro rótulo varietal, em nível mundial diga-se, já que a França jamais fez um vinho somente com Carmenère!

A Carmenère é uma uva que por regulamentação oficial, pode e ainda é utilizada na região de Bordeaux, sua origem, ainda que em mínima escala, pois estatísticas indicavam uma superfície de apenas dez hectares plantados (portanto ela na verdade não está extinta como alguns dizem). Em sua terra natal esta uva se mostra predisposta a doenças e de maturação complicada, por isso só é vista em cortes (assemblages) com concentrações reduzidas e somente em anos muito bons em que ela alcança a plena maturidade. Um exemplo famoso é o Chateau Clerc-Milon, que usa cerca de 1% da Carmenère em seu blend em certas safras. Idem para os vinhos do Château Le-Puy.

Muita gente sabe que a Carmenère se tornou a uva emblemática do Chile, mas não confundam, o nosso esguio vizinho sul-americano tem na Cabernet Sauvignon a sua rainha das uvas tintas.

Todavia, a novidade é que o Chile NÃO é mais o único país vinícola a produzir vinhos varietais desta uva. Há algum tempo, pode-se encontrar um varietal italiano da prestigada Cá del Bosco, o “Carmenero”, um vinho na faixa dos US$ 80, que passa 15 meses em barricas de carvalho. Se no Chile esta casta era confundida com a Merlot, curiosamente ela era confundida entre os italianos com outra uva de Bordeaux, a Cabernet Franc.

Embora indisponível em nosso país, até onde sei, a pequeníssima vinícola norte-americana Nodland Cellars com vinhedos em Columbia Valley e Walla Walla Valley (estado de Washington) produzem um varietal de Carmenére.

O “Nodland Walla Walla Valley Avant-garde Carmenère 2007” (Carmenère e pequenas quantidades de outras uvas bordalesas, a US$ 28) recebeu elogios e notas bem interessantes: 88/100 pts.  da Wine Enthusiast e 90/100 pts. da Wine & Spirits, ambos avaliados em 2011.

Onde quer que seja elaborado um vinho de Carmenère, trata-se de uma uva de relativamente baixa acidez, frutado que traz à lembrança as ameixas e as frutas silvestres escuras, aromas de pimenta que são uma boa “impressão digital” quando não encobertos por notas vegetais desagradáveis (sinal de maturação insuficiente). Em cortes de uvas de Bordeaux, a Carmenère se aproxima das características da Petit Verdot, pois pode aportar cor e taninos, que são menos potentes do que os da Cabernet Sauvignon.

Vários vinhos chilenos famosos levam Carmenère em seu corte: Almaviva, Viña Seña, Purple Angel e Clos Apalta são notáveis exemplos. Os vales de Cachapoal, Colchágua e Maule são referências importantes.

Considero o “Viña Montes Purple Angel”, como o melhor desta uva que já degustei, mas é um vinho caro. Para efeito de dica potencialmente útil a quem não quer gastar demais, recomendo outra vinícola de alta confiabilidade: a De Martino, importado pela Decanter.

O que mais me agradou, por sua qualidade aliado ao ótimo custo-benefício, foi o da linha mais simples, o “Reserva 347 Vineyards 2007”, por cerca de R$42 (safra 2008). Leiam as notas de degustação:

De Martino Reserva 347 Vineyards Carmenère 2007

Típico, quase didático, fresco, agradável.Tecnicamente o vinho é separado da seguinte maneira: 40% do volume passa em barricas de carvalho por 8 meses e os restantes 60% se manteve em cubas de aço até a mistura final.

Uvas dos Vales de Cachapoal, Maule e Maipo – Álcool: 13,5%

Rubi púrpura intenso, quase negro, lágrimas numerosas e rápidas, brilhante. Aromas intensos de compota de frutas escuras, framboesas, leve toque de especiarias e madeira bem integrada. Seco, de corpo médio, acidez muito boa, álcool equilibrado, taninos de boa qualidade e explode na boca em sensações picantes, com a típica nota de pimenta-do-reino presente nos Carmenère de boa maturação. Persistência média. Nota: 88/100 pts.

Texto, descrição e avaliação por André Logaldi.

Crédito da imagem de abertura:

Mike-Ellis-Carménère
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One thought on “Generalidades e dicas: a uva Carmenère”

  1. Como sempre, os textos do amigo André, são brilhantes, didáticos e interessantes.
    Aprendi muito, descobri que algumas informações que considerava corretas não são verdadeiras e anotei a dica de vinhos para conhecer. Particularmente me enquadro no perfil do início do texto e gosto muito dos vinhos deste tipo.

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