O chocolate é sinônimo de alegria, motivo de compulsão por vezes incontrolável. Alguns amigos “chefs de cuisine” quando em dúvida sobre o que fazer para a sobremesa de um jantar sob encomenda, logo pensam: chocolate!!

Durante muito tempo esta iguaria constituia um parceiro de poucos vinhos, principalmente dentro da nossa cultura algo primitiva de privilegiar a doçura excessiva (o chamado “paladar infantil”). Isso restringe o leque de vinhos para uma possível harmonização, pois um princípio fundamental da combinação vinho-comida no quesito doçura, é a de que o vinho deve suplantar a sucrosidade do prato. Se este é doce demais, a solução que restava para se atingir tal objetivo tinha de ser através do álcool. Somente altos teores de álcool são capazes de “limpar a boca” desta doçura e os pares óbvios eram os vinhos fortificados, principalmente os mais conhecidos como Porto, Madeira, alguns Jerez entre outros, como os ótimos Vin Doux Naturelles (aos quais dediquei outro artigo publicado em 11.01.2012).

Na medida em que nos habituamos a degustar chocolates mais puros, livres de doses cavalares de leite e açúcar, aumentamos as possibilidades de casamento com os vinhos. Um chocolate “ao leite” pode ter apenas 10-25% de cacau.

REQUISITOS PARA UMA BOA HARMONIZAÇÃO

O cacau, por si, tem características dominantes que prejudicariam sua harmonia com vinhos, principalmente o amargor e um leve toque salino e textura que beira o adstringente. Para atestar esse efeito basta degustar com calma alguns chocolates disponíveis no Brasil, com 70-85% de cacau ou alguns franceses e belgas que alcançam os 90%.

Para ressaltar o melhor do vinho e do chocolate, é necessário que dentro da nossa boca, algumas sensações se reforcem e outras quase se anulem.

Assim, é preciso que se tenha alguma doçura, que o amargor não pareça tão evidente (o adocicado se encarrega disso), que o vinho tenha potência suficiente para não deixar que a massa de chocolate cubra e se fixe nas papilas linguais, que haja a presença de “paladar frutado”, para que todo o conjunto seja agradável.

ALGUMAS LEIS DA PALATABILIDADE

– A acidez (que vem do vinho) pode “abrilhantar” o frutado.

– A doçura (que pode vir de ambos) atenua o amargor (de ambos).

– Componentes doces também minimizam a salinidade e a adstringência.

– O álcool compensa a sensação “enjoativa” de doçura excessiva.

– Finalmente, o álcool limpa os excessos de untuosidade derivados sobretudo de gorduras do leite (nos chocolates com baixos teores de cacau).

– É absolutamente fundamental que os vinhos tenham taninos macios ou de muito baixa adstringência, excluindo-se portanto os de castas notadamente adstringentes tais como a Cabernet Sauvignon, principalmente com altos teores de cacau.

AS CONSEQUÊNCIAS HARMÔNICAS

A melhor probabilidade de harmonia se dá da seguinte forma, de acordo com os teores de cacau:

Chocolate doce (ao leite): as possibilidades de uma boa harmonização não são das melhores e o requisito do vinho deverá ser o de possuir muito álcool, igual ou superior a 20% como alguns Portos.

Chocolates com 40-70% de cacau: haverá alguma doçura evidente que se somará á doçura do açúcar residual dos vinhos fortificados. Novamente a presença do álcool aliado á fruta dos vinhos, será o fator principal. Mas pode se pensar num vinho com 17-19% de álcool.

Chocolates com 70-85% de cacau: como a untuosidade e a doçura diminuem sensivelmente, as necessidades de álcool serão menores e o frutado do vinho poderá ser bem mais desejável. Aqui recomendaria as harmonizações clássicas com os VDN, como o Maury e o Banyuls, frutados, de taninos macios e álcool de 15-16%.

Chocolates “puros” (acima de 85% de cacau): aqui a gordura e a doçura quase desaparecem. A sensação de amargor, salinidade e adstringência pedem que o vinho tenha alguma doçura, menos álcool e muita fruta, sobretudo os “bomb fruits” do Novo Mundo que aparentam ao paladar possuir mais doçura do que de fato têm. Ou seja, um tinto seco começa a ganhar espaço. Preferência aos australianos ou americanos de uvas Shiraz, Zinfandel ou até Malbec ou Bonarda argentinos e enfim, europeus de traços similares, como o Primitivo de Manduria.

Abaixo, dois clássicos harmonizadores, ambos da categoria Vin Doux Naturelle, cujo processo de elaboração comentei em artigo anterior:

BANYULS GRENACHE-MUSCAT 2004 – MICHEL CHAPOUTIER

Importadora Mistral

Álcool: 16%

Preço: R$72,00 (safra esgotada)

Neste Banyuls a adição de uvas muscat, a longa maceração e a técnica de engarrafamento precoce (rimage, técnica que limita o tempo de oxidação) adiciona caráter mais frutado e jovial, que se refletem principalmente na análise do nariz do vinho. Passa por mínimo de 18 meses de madeira.

Rubi acerejado bem vivo e brilhante, levemente opalescente, halo de evolução presente. Uma explosão de frutas em geléia (morango e amoras), figos, balsâmico, alcaçuz, baunilha e vegetal (tabaco). Doce, de corpo médio, leve ponta de álcool, acidez fresca, taninos presentes com leve adstringência. Sabor de geléias de morango e algo que lembra jabuticaba e mentolado. Persistência média.

Nota: 87/100 pts.

MAURY MUTAGE SUR GRAINS – ALCÔVE 2007 – VIGNOBLES DORNIER

Importadora Le tire bouchon

Álcool: 16,5%

Preço: R$168,00

Colheita manual, triagem no vinhedo e separação dos grãos. Fermentação de 7 dias, parada por mutage com aguardente da uva. Maceração pós fermentação de 3 semanas. Criação em barricas de 400 ou 600 litros, no exterior, durante 12 meses. Colagem e filtragem antes do engarrafamento. Grenache de vinhas antigas. Este vinho pode ser servido como aperitivo ou harmonizando com a sobremesa, o café e até mesmo com um charuto. A potência e a qualidade de harmonização com chocolate e morango surpreende quem experimenta essa combinação. Potencial de guarda de até 30 anos.

Coloração rubi muito escuro e denso, halo de cor de mirtilo, azul-violáceo, muito brilhante e de lágrimas fartas e lentas. Aromas muito intensos de frutas vermelhas maceradas, violetas, chocolate e frutas negras (groselhas pretas e mirtilos). Doce, bem suportado por ótima acidez, álcool adequado, encorpado e tânico, macio (taninos de qualidade excelente), frutado intenso, notas de chocolate e final delicioso, médio a longo.

 Nota: 90/100 pts.

Texto de André Logaldi

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