Hoje abordarei um assunto “batido” sob um ângulo de um especialista, Jean-Marc Quarin, já citado nos textos anteriores. A questão não é a de impor novas verdades, apenas a de observar com atenção um outro olhar, com a competência de quem acabou de escrever mais de 16 mil notas de degustação somente sobre a região de Bordeaux.

O CORTE BORDALÊS

O chamado “corte bordalês”, para os vinhos tintos, compreende 5 uvas recomendadas, mas que nem sempre são usadas e ainda as variedades “permitidas”, caso da quase extinta Carmenère. São elas, oficialmente: Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Merlot, Petit Verdot e Malbec.

Por que existe o corte? Pelo princípio básico de se buscar na soma de qualidades intrínsecas de cada uma destas uvas, uma qualidade global que se complemente e seja de resultado superior à cada desempenho individual delas.

AS MARGENS ESQUERDA E DIREITA

Bordeaux se define, em termos viticulturais, pelas suas margens em relação ao rio Gironde (na verdade, o estuário da Gironde delimita a margem esquerda e o rio Dordogne a margem direita).

As propriedades vitícolas da margem esquerda possuem uma área consideravelmente maior que os da margem oposta, variando de 26-56 hectares contra 2-12 hectares da margem direita. Este é o motivo principal para que o corte da “rive gauche” contenha, em tese, todas as cinco uvas, enquanto o lado direito se detém basicamente à Merlot e Cabernet Franc.

Assim, temos em média, as seguintes “assemblages”:

Margem esquerda:

– Cabernet Sauvignon: de 45-90%

– Merlot: de 10 – 50%

– Cabernet Franc: de 0 – 25%

– Petit Verdot: de 0 – 10%

– Malbec e Carmenère: quantidades ínfimas, raramente além de 1 – 3%

Margem direita:

– Merlot: de 45 – 100%

– Cabernet Franc: de 0 – 55%

A FUNÇÃO DE CADA UMA DAS PRINCIPAIS UVAS –

De acordo com o saudoso mestre da enologia, Émile Peynaud, um grande vinho tem como característica uma excitação do palato de forma que tenha um ataque elegante, sensações intermediárias de boa amplitude com sabores e texturas e um final igualmente elegante, que se vai deixando uma parte do melhor do vinho, seus rastros aromáticos e também suas percepções táteis delicadas, aveludadas.

Cada uva tem um potencial de preencher certos pontos deste “desenho sensorial” ideal. A Cabernet Sauvignon proporciona um ataque consistente e complexidade de meio de boca, a Merlot arredonda as sensações táteis, a Cabernet Franc delineia um “frescor” aromático final e assim por diante.

MERLOT

Começo por ela, que se por um lado não detém o título de “Rainha” como a Cabernet Sauvignon, por outro domina amplamente os vinhedos, com 63% de toda a superfície da região, somando-se ambas as margens.

Esta casta, mais precoce, arredonda o ataque consistente da Cabernet Sauvignon e fornece uma amplitude e volume de meio de boca que evoca a maciez. Ela tende a desaparecer no final de boca.

Ela ama os solos frescos e arejados tais como os arenosos, argilo-calcários da margem direita e se mostra menos frutada em solos pedregosos, razão pela qual é menos expressiva na margem esquerda, exceto nos terroirs de Pape-Clement, Haut-Brion e La Mission Haut-Brion.

CABERNET SAUVIGNON

A uva emblemática da margem esquerda, representa a potência, a estrutura, complexidade e maior presença ao longo de todas as etapas de avaliação gustativa (ataque, meio e fim de boca). É menos expansiva em meio de boca do que a Merlot embora proporcione sensações mais prolongadas na fase gustativa. Ela ocupa 25% da superfície plantada.

É colhida após a Merlot e ao contrário desta, tem necessidade de solos quentes e os pedregosos do Médoc cumprem esta exigência. Esta casta é a grande responsável pela capacidade de envelhecimento dos vinhos da “rive gauche”. Seus terroirs de excelência são os de Batailley, Lafite, Mouton e também Haut-Brion.

Mas pode ser tão macia a ponto de requerer menores porcentagens de Merlot, tais como em terroirs consagrados como Margaux, Latour, Rauzan-Ségla, Pichon-Longueville.

CABERNET FRANC

Esta casta não representa mais do que 11% dos vinhedos da região e tem na untuosidade e caráter aromático de fim de boca, suas compensações à falta de presença de ataque e de volume de meio de boca.

Ela é menos atraente aos viticultores porque é muito exigente e requer, para melhores resultados, a presença de videiras antigas, pois não é boa se não tiver rendimentos muito baixos por planta.

Encantadora na margem direita em nomes como Clos L’Église, Clinet, Cheval Blanc, Ausone, Pavie-Macquin e na margem esquerda em Léoville Las Cases, Haut-Brion.

PETIT VERDOT E MALBEC

Pouco utilizadas, estas castas tem lugar em situações especiais. A Petit Verdot se caracteriza por se parecer muito com a Cabernet Sauvignon, com corpulência, potência e trama tânica notável. Ela tem mais presença em meio de boca do que a Cabernet e possui um interessante final “picante”, condimentado. Todavia, os taninos podem ser muito rústicos a menos que seu grau de maturação seja absolutamente pleno o que acontece somente em grandes safras. Também precisa de solos quentes.

Possui presença tão marcante que apenas 3% delas na assemblage final pode modificar de modo consistente as características do vinho.

A Malbec (ou Côt na rive gauche ou ainda Pressac em St-Émilion) era muito utilizada outrora na região porque aportava cor intensa aos vinhos, sem a necessidade de se promover macerações muito longas.

Ela traz delicadeza ao corte, mas seu uso tende a desaparecer, sendo mais frequente em certas áreas das Côtes de Bourg e Blaye. Nos grandes nomes da região, o Château Gruaud-Larose utiliza pequenas partes de Malbec no corte.

Texto de André Logaldi.

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