Nas últimas semanas como muitos amigos e conhecidos, apesar do desgaste que causa, não faço outra coisa senão ler sobre as medidas de salvaguardas e de modo geral, também sobre economia e direito tributário e aduaneiro. Alguns textos são irretocáveis tamanho bom nível.

Antes de começar, repetirei até que os leitores se acostumem, que jamais escrevo sob intenção prescritiva, ou seja, vou desenhar os fatos sem indicar as soluções. Acredito apenas no lançamento do máximo de tópicos a serem cuidadosamente pensados e balanceados. Creio que ninguém imporá respostas prontas sem ter de enfrentar, com justiça, uma suspeita de atitude radical.

Minha intenção também não é a de esgotar assuntos ou acrescer dados ou ideias que não sejam minimamente relevantes, na medida máxima, me livrando das paixões, buscando a imparcialidade, não obstante eu tenha abraçado um lado (sou contra). Tampouco defendo importadores, mas apenas digo que em seus erros, estes ainda causam menos danos à um princípio que é condição sine qua non à sedimentação da cultura enológica: a EDUCAÇÃO de consumo.

De modo geral, vê-se muitas falácias, que é o que acontece quando usamos fragmentos de textos ou declarações ajustando-os a uma realidade parcial e tendenciosa a um ou outro lado, que na sua origem, inexistia.

Sempre adoro citar, para ficar didático, um exemplo que define um tipo comum de falácia, que segue o raciocínio:

“A formiga é um animal. Logo, uma formiga grande é um animal grande”.

Pode parecer besteira? Mas dentro de um contexto menos óbvio isso ocorre em profusão.

DISPOSIÇÕES GERAIS E LEGITIMIDADE

Aqui há um primeiro “caldeirão” de fatos que expõem e encurralam o real significado de representatividade, ostentado pelas entidades que são tomadas por mentoras da ação.

Assim, o primeiro ponto que causa estranheza é a reclamação de empresas da região que dizem não terem sido consultadas ou chamadas à discussão antes do fechamento do projeto de pedido de salvaguarda ou ainda o recuo da Salton, ante a menor centelha de contra-reação negativa, após a exposição pública das medidas.

Quem leva o estandarte e se presta à esclarecimentos é o IBRAVIN, que sempre afirma a legitimidade da ação, o que é verdadeiro, embora como sempre faço questão de invocar o passado histórico, cito “Porque todos os maus exemplos tiveram origem em ações, em si, justas”. Por isso, as leis tem de ser mutáveis e ajustáveis à realidade dos tempos.

OS CAPRICHOS DA FORTUNA

Em meados do ano passado, quem leu artigo da revista ÉPOCA já sabia o quão “legítimo” tem sido as medidas protecionistas, que repito, embora baseadas em disposições LEGAIS do dito livre(?) comércio, são medidas “antipáticas” não só em relação aos países que se envolvem, mas sobretudo aos consumidores, sempre lesados em sua liberdade por ter de se submeterem à tutela das decisões de Estado, que por sua vez, transparecem, não os interesses do povo, mas de grupos, por meio de favores políticos. “Surfa-se a onda” do momento. É agora ou nunca, quando se tem os amigos certos nas posições políticas certas, nada mais.

A sorte é volúvel, contudo venta favoravelmente aos interesses de grupos que pleiteiam uma proteção, de forma lícita, porém resultando em reações que lhe podem ser catastróficas porque ferem outros milhões de indivíduos em seus direitos mais caros, a liberdade.

Quer tenham ou não uma má intenção, e posso jurar que duvido veementemente disto (má intenção), os mentores das salvaguardas incutiram no inconsciente coletivo dos enófilos que os consumidores são, de certa forma, também “inimigos”. Afinal, já que estes nitidamente “não sabem escolher vinhos”, terão de fazê-lo por decisão judicial.

Cada vez mais, ouço sobre a repercussão social extremamente negativa que assola a zona rural riograndense. Caxias do Sul, Flores da Cunha podem mesmo estar em fase agônica e absolutamente, não é a intenção real de ninguém que seja contra estas medidas, por em risco a vida laboral destes ruralistas, mas as consequências deste pacto com o governo também irá gerar feridas sociais graves na região que mais propicia mercado para os que querem entrar no comércio global de vinhos.

ESTRATÉGIAS E DEFLAGRAÇÃO DE GUERRAS

O vinho nacional caminhava para uma trilha óbvia, porém que exige paciência e perseverança, em direção à tão sonhada conquista do consumidor pela qualidade, embora por culpa do governo jamais tivesse oferecido preços justos.

Enquanto escrevo, recebemos mais uma nota do IBRAVIN, em 06/04/12 reafirmando-se como esperaríamos. Todavia a cada vez que falam que quanto mais contra-reação tiverem mais lutarão por si próprios, me passam a idéia de uma urgência desnecessária, além da prepotência, de não serem pacientes para aguardar um processo que ainda que paulatinamente estava em curso, ou seja, a entrada definitiva do vinho nacional no mercado interno de um modo simpático e baseado na qualidade, ainda que a preços pouco competitivos. Não há, ainda que possa estar errado, de deixar de entender esta “pressa” como sinônimo de uma impaciente ambição desmedida, talvez motivada pelo “momento político” já que nunca se teve uma chance tão boa de pedir favorecimento ao setor, em função da presidente Dilma e suas boas relações com o Estado do RS ? NADA contra isso! Mas parece que quiseram dar um salto desproporcional rumo à um caminho, que se antes parecia inexorável, agora sofre com a promessa de rejeição de quem seria a finalidade última da cadeia, posto em último plano: o consumidor.

Mais uma vez: a sociedade discute os meios, não os fins. O IBRAVIN porém reage com a pseudo-generalização de que sempre, os vinhos nacionais, foram boicotados, passando de agressores a agredidos. Será mesmo que a mensagem que desejam passar, poderia ser reduzida a isso? Algo como, “se não quiseram nos prestigiar por bem, o farão por mal?” Erro estratégico baseado em um ressentimento irreal e generalizado, um recalque histórico diga-se de passagem, que só contribui para tornar irretocável a mancha surgida na imagem da viticultura brasileira.

A FASE PRÉ-GUERRA

Rapidamente ressalto que não devemos negligenciar as manobras infinitas de BUROCRATIZAÇÃO sobre os produtos importados que visam, de maneira que considero sórdida, o mais absoluto desestímulo aos países produtores de visar o mercado brasileiro. Quanto ao sistema de cotas, me permito dizer que sou contra a invasão de “cheap wines” estrangeiros, mas quem poderá determinar quem entra ou não nas cotas? Paviani, dentro da ABS-SP não soube responder, o que causa apreensão para ambas as partes! Se o “governo” decidir, o que esperar? Preferiria mil vezes que os membros do setor se dispusessem a isso! Talvez estejamos prontos a entrar com artilharia pesada no inimigo errado!

Como se nada disto bastasse, teríamos um concorrente temerário na invasão de vinhos baratos que sufocariam o vinho nacional: a Argentina! E por acordos políticos, NADA se pode fazer contra isso.

Obras como o “selo fiscal”, instaurado à revelia assim como serão estas medidas protecionistas, a exigência de rótulos em português, a proibição de orgânicos e biodinâmicos salvo certificação emitida no Brasil, tudo isso deve ser ferozmente combatido, porque são feitas na calada da noite e sem nenhum aviso prévio às partes interessadas. Aí sim, uma batalha covarde!

A questão dos biodinâmicos e orgânicos são, independente de seu valor intrínseco em questões de saúde, uma afronta a um novo e evidente clamor de mercado!

ENVOLVIMENTO E ALIENAÇÃO

Creio que é dever de todos, deixar passar a tormenta, esfriar a cabeça e não se envolver apaixonadamente na questão ainda que eu considere legítima toda e qualquer reação contrária à estas medidas, sendo que as proporções tomadas são hoje consideradas injustas pelo IBRAVIN e demais signatários (os cito com frequência porque ao menos possuem a virtude de defender publicamente seus pontos de vista, direito que devemos defender, tal como nas exortações de Voltaire).

Deveríamos ainda, tentar nos colocarmos à parte, na “alienação”, na verdade um “afastamento” salutar para que possamos refletir sobre os rumos que esta empreitada poderá atingir, pois até agora, as consequências parecem ter sido perigosamente subestimadas.

O saldo positivo, a meu ver, é justamente o engajamento na discussão, embora ainda prevaleçam os tons ferozes da ideologia cega, com muitos gritos e poucas aberturas à audição.

Enfim, resumindo maquiavelianamente (e não maquiavélicamente), sabemos perfeitamente onde começou a “guerra” mas já não podemos prever onde irá acabar, e visivelmente, não estará nas mãos de quem a deflagrou!

De novo, a guerra parece declarada ao inimigo errado!

O AUTOCLISMO

Passo enfim à explicação da metonímia do título. Na definição do Dicionário Houaiss, autoclismo é: “maquinismo que lava, com uma descarga de água acumulada em uma caixa, a privada ou mictório”.

Busco esperança e de certa forma a tenho, mas discordo dos meios empregados, acreditando sim, que poderão ser “jogados no ralo”, anos de trabalho sério e muito bem intencionado.

Texto de André Logaldi, colaborador deste blog

Crédito da imagem – Bahia Notícias

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6 thoughts on “Salvaguardas & Burocratização: o autoclismo heterofóbico, por André Logaldi”

  1. Parabéns André pela explanação referente a covardia que estão impondo aos enófilos do Brasil..ora proteger um mercado que cresceu 7% em 2011..ou seja, o triplo do PIB Nacional é estranhíssimo..aliado ao fato do mercado de espumantes nacionais abocanharem 82% do mercado…tudo isso nos remete a refletir que tais medidas protecionistas visam favorecer as grandes vinícolas nacionais e não os pequenos produtores que estão a beira da falência num mercado burocrático de selos..etc impostos pela Ibravin…mais uma vez o tiro saiu pela culatra dos malfadados postulantes de tal medida, pois isso somente afasta ainda mais o consumidor por vinhos nacionais que são caros e carecem de qualidade se comparado com importados…sugiro pressão para que GOVERNO FEDERAL apoie com benefícios tais vinícolas..com desoneração de folha de salários dos funcionários das vinícolas..redução de todo e qualquer tributo para os produtores..somente dessa forma poderemos elevar os ínfimos consumo percapto no Brasil de vinhos Nacionais….

  2. Muito obrigado, amigos!! As respostas mais imediatas já as temos, o que falta para uma transição favorável é uma mescla de fatores amplamente ligados à política: a própria ignorância em nível federal pela simples ausência de profissionais que compreendam as nuances do setor e por fim, a presença somente do que Antonio Gramsci, um dos ícones de muitos socialistas pós-leninistas, chamou de “política ordinária”, ou seja, aquela do corpo-a-corpo, pouco representativa senão de grupos pequenos de empresários que se mostram fortes nos momentos de troca de favores políticos! Mas a ampla discussão já é um bom sinal!! Forte abraço!! PS: me lisonjeias, Gerson!! rsrs

  3. Quando o senhor cita, “Quer tenham ou não uma má intensão”…(segue) não está sendo imparcial, ao meu ver joga o IBRAVIN contra o consumidor (mesmo duvidando da má intenção). Sou viticultor em Garibaldi e vejo que quem está com o pé na cova só pensa no caixão.Ou alguma coisa é feita ou já “foi”.Nos agricultores perdemos o pão nosso e toda a tradição,o consumidor só perde o livre arbítrio de escolher o vinho (boicotes e aumento de impostos).O IBRAVIN pediu um braço mas sabe que vai levar um pedaço da unha que foi cortado pela tesoura de poda.
    No más desejo saúde e paz para todos.

  4. Caro André
    Parabéns pelo texto! Se no mundo do vinho mais pessoas esclarecidas e inteligentes como você houvessem, menos “burrocracia” haveria. E com certeza mais vinhos de melhor qualidade (brasileiros ou importados) seriam bebidos…

  5. Eduardo, ao mesmo tempo, informado por amigos de Bento Gonçalves das dificuldades dos pequenos viticultores eu cito que não tenho ao ir contra as medidas nada a penalizar estas famílias. Mas concordo em parte contigo, porque de certa forma estra medida joga o IBRAVIN sim, contra os consumidores. Ouvi falar da possível derrocada da Boscato, cujo Merlot já foi bem valorizado às cegas por júri da Prazeres da Mesa, do qual participei e lamento tudo isso. Creio que precisamos de medidas que não joguem com a liberdade dos consumidores ao mesmo tempo que satisfaçam as necessidades dos produtores, sobretudo os pequenos que você vê, estão de acordo com a opinião pública sendo esmagados pelas urgências dos grandes. De coração, saiba que as pessoas tem toda a boa vontade de usufruir do melhor produto, esforço dos viticultores locais, mas esta medida soa muito radical e infelizmente, tem levado às reações radicais. Não queremos uma posição radical, não queremos ir contra a sustentabilidade do setor mas estas medidas são perigosas, as reações por mais injustas que pareçam, são proporcionais ao cerceamento que causam. Apesar de ser contra, como disse, também reafirmei o direito da IBRAVIN de defender sua posição, contudo estas medidas burocratizantes são também muito incisivas e de difícil aceitação. Quem dera pudéssemos resolver este impasse, sem tanto prejuízo ás partes, mas não é fácil! Pode apostar que me entristeço com o seu depoimento, de gente que está pondo em risco muito mais que o arbítrio, como disse! Agradeço o comentário e espero que toda esta discussão leve a um caminho salutar à todos!! Esta tensão entre interesses do governo e os interesse de produtores e particulares (consumidores) é quase “terminal” e espero que se alcançarmos o fundo do poço, horizontes mais promissores surjam! Saúde e paz à todos também, de coração!!

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