Este texto nasceu de uma brincadeira que propus numa rede social. Uma escolha às cegas feita por pessoas que tem em comum o hábito de lerem os meus artigos, o que me honra, motiva e justifica a insistência. Apenas lancei que escreveria sobre Bordeaux, traçando algumas linhas para um dos 329 châteaux bordaleses, cada qual numerados de acordo com um ranking de consistência, criado por um de meus “degustadores-gurus”, se posso dizer assim.

Assim de forma totalmente aleatória, um dos meus amigos de batalhas em prol do vinho, Jean Vicente (blogueiro-enófilo apaixonado) mostrou-se o mais rápido em propor um número e o escolhido foi o 139. E eis aqui um texto dedicado ao amigo e ao vinho que ocupa o centésimo trigésimo oitavo posto da lista.

O ESCOLHIDO FOI…

Esta propriedade, inserida na região de Bordeaux, possui algumas particularidades únicas que, se preservadas sob uma filosofia voltada ao “terroir” lhe renderia para sempre a identidade cultivada ao longo dos anos. A menos claro, que sucumba ao esquema de “padronização do gosto”, o lado escuro dos efeitos da globalização (n.do A.: o “lado escuro” é uma homenagem velada ao amigo, fã do álbum The dark side of the moon!). O nome Carmes vem da congregação de freiras carmelitas, que receberam parte das vinhas como doação de seu primeiro proprietário, Jean de Pontac (que viveu até os 101 anos de idade em pleno século XVI).

Vamos seguindo com olhares progressivamente mais minuciosos sobre o Château!

A PAISAGEM CULTURAL

Estamos então, na França! Na Aquitânia, sudoeste do hexágono que constitui o mapa francês, numa consagrada região vinícola numa superfície de 4,7 hectares de vinhedos situados em área urbana (uma foto anexa permite ver isso), divididos entre a cidade de Bordeaux e se estendendo às comunas de Pessac e Mérignac, por sua vez não muito longes do famoso Château Haut-Brion, único Premier Cru Classé pertencente à sub-região de Graves.

Além das vinhas, a pequena vinícola possui 3 hectares de um parque projetado por uma conhecido paisagista francês (Bordeaux), Louis-Bernard Fischer. O Château apareceu no início do século XIX, mas as vinhas já existiam desde o século XVI (fazia parte do próprio Château Haut-Brion até 1584).

UMA TRANSAÇÃO HISTÓRICA

À partir de 2010, o negócio mudou de mãos, sendo adquirido por 18 milhões de euros pelo Group Pichet (imobiliário), que promete grandes investimentos enquanto os apreciadores esperam que a qualidade de seus vinhos não se percam jamais (para alguns o frutado exuberante (sobretudo as cerejas) destes vinhos lembram grandes vinhos da Côte de Nuits (Borgonha). Mas Penelope Furt-Roche, uma das herdeiras da família que o dirigiu por mais de 200 anos permaneceu na gerência.

O negócio foi considerado quase extravagante no meio. Para se ter uma idéia, o Château Montrose foi adquirido por 140 milhões de euros, porém era uma área de 65 hectares, portanto o preço pago por hectare do Carmes quase dobra esta quantia, já exorbitante!

O PERFIL VITIVINÍCOLA

A assemblage dos vinhos obedece à seguinte proporção: 55% de Merlot, 30% de Cabernet Franc e 15% de Cabernet Sauvignon. As videiras tem uma idade média de 35 anos e uma densidade alta de plantação (10 mil pés por ha). A colheita é manual, os solos argilo-pedregosos e um bocado arenosos sobre uma base calcária que se beneficiam de anos muito quentes (como 2003, quando a argila retém um pouco de umidade).

OS VINHOS

Os vinhos “topo de gama” passam por barricas de carvalho 50% novas, por 18 meses. Fazem fermentação malolática também em barricas (que leva a diferenças sensíveis de textura).

Sua maior particularidade talvez seja o frutado exuberante que mostram em sua juventude, distinguindo-se de outros vinhos da AOC (AOP) Graves/Pessac Léognan, além de notas florais (violetas) e de alcaçuz. Para alguns degustadores a intensidade aromático-gustativa desse frutado a framboesas e cerejas os aproximam de vinhos totalmente diversos, como os Borgonhas da Côte d’Or.

Também não distantes de grandes Borgonhas, algumas safras mais velhas mostram notas de incenso. Consistentemente mostra vinhos que mesclam maciez às custas de taninos bem resolvidos aliados a um corpo pouco expressivo, fato que pode desagradar aos parkeristas e ser motivo de júbilo para os defensores do terroir!

As últimas safras de bons resultados foram 1995, 2002, 2005, 2008 e em particular, a cálida safra de 2003, cujo potencial de guarda é estimado em cerca de 30 anos.

Não é exatamente um vinho barato, pelo contrário, seu preço médio levando-se em conta as últimas 15 safras gire em torno dos 50 euros, o que o torna antes de tudo um “vinho de conhecedor”. As média das notas que recebeu desde a safra 1995 até 2010 foi de 88 pontos.

CONCLUSÕES

Chego ao fim desta experiência totalmente empírica, que não sei se terá ou não continuidade, reiterando os aspectos mais positivos do vinho como a amizade e a partilha, seja de uma garrafa, seja de uma leitura que possa acrescentar algo ás nossas visões e impressões sobre a arte da terra.

Um agradecimento sincero e especial a todos os que participaram, elegendo cada qual seu número e quem sabe, repetimos a brincadeira!

Santé!

 

André Logaldi elabora textos de fácil leitura que são muitíssimos acessados neste blog.Parabéns André, os leitores agradecem!

 

 

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