A importadora Decanter e a Caliterra, vinícola chilena estabelecida no Vale de Colchágua, realizaram no dia 13 de agosto de 2014, degustação seguida de almoço para o relançamento da linha Edición Limitada, dentro do conceito de vinhos de autor, com a presença do enólogo-chefe da Caliterra Rodrigo Zamorano. O evento foi denominado “Blending Seminar – Rodrigo Zamorano”.
Caliterra Tributo Cabernet Sauvignon 2011 – Álcool: 14% – Variedades: Cabernet Sauvignon (91%), Petit Verdot (6%) e Cabernet Franc (3%) – cerca de cem por cento do vinho amadureceu durante doze meses em barricas francesas novas – “Este é bom exemplo de Cabernet Sauvignon que nos espanta com sua elegância e sobriedade. Esta versão respeita absolutamente a natureza desta nobre variedade. Faz-nos sentir muito orgulho”. São palavras do Enólogo Rodrigo Zamorano. Análise organoléptica: mais uma vez a Cabernet Sauvignon pontificou, agora no verdejante Vale de Colchágua. Profundo na cor, abordável nos aromas balsâmicos, mentolados sobre frutas vermelhas e negras. Na boca, sua entrada revelou de taninos macios, expansivo, estruturado, firme, com tudo no lugar certo, sem arestas, sem pontas. Plena sintonia entre equilíbrio gustativo e volume de boca. O fim-de-boca é longo, aveludado, redondo, prazeroso. Tinto sofisticado, harmonioso e elegante. Indispensável ter ao menos um na adega (climatizada). Avaliação: 90/100 pts.+
A arte de elaborar um vinho sob a batuta do Enólogo Rodrigo Zamorano
A degustação realizada num concorrido restaurante de acento português recém-inaugurado em São Paulo tinha tudo para ser mais uma das inúmeras que este escriba prazerosamente participa. Era uma fria e chuvosa quarta-feira de inverno, dia bastante apropriado para sorver bons goles de alguns tintos chilenos que já havíamos provados “in loco” no último mês de maio, em Colchágua, um dos principais vales vitivinícolas do Chile, a cerca de 200 km de Santiago do Chile. Sponte propria, deslocamo-nos para conhecer, por convite de Verónica Steinbrugge (Subgerente de comunicações – Chadwick Wines), a vinícola Caliterra, uma das pioneiras no Chile do tema “Sustentabilidade”. O resultado dessa visita resultou num post, que recebeu o título de “O verdadeiro “Aggiornamento” da Viña Caliterra – Vale de Colchágua” – https://blogdojeriel.com.br/2014/05/visita-a-vinicola-caliterra/ publicado em 27 de maio último.
Mas vamos ao fato que interessa. Ao final da degustação acima relatada, o Enólogo chileno Rodrigo Zamorano fez uma proposta ao numeroso grupo de jornalistas presentes – aproximadamente 28 divididos em sete mesas com quatro pessoas cada – qual seja: para cada grupo elaborar seu vinho utilizando três variedades das que mais se destacam no Vale de Colchágua: Cabernet Sauvignon, Carménère e Syrah. O blend a ser elaborado deveria conter necessariamente essas três uvas em qualquer proporção. Com pipeta e um copo de becker nas mãos, o grupo deste escriba integrado pelos experientes degustadores Renato Frascino, Álvaro Cézar Galvão e Ney Ayres, em menos de dez minutos decidiu o percentual de cada variedade: 65% de Cabernet Sauvignon, 25% de Carménère e 10% de Syrah. Por quê? Simplesmente em razão de que a Cabernet Sauvignon é também a principal variedade do Vale de Colchágua (é a mais importante no Maipo), onde produz vinhos estruturados e longevos. A Carménère veio logo em seguida em razão de apresentar taninos macios, toques picantes e por formar, amiúde, uma dupla harmônica quando mesclada à Cabernet Sauvignon e, finalmente a Syrah, exuberante em Colchágua, onde produz vinhos de cor carregada, aromas florais, taninos mastigáveis suportados por acidez intensa que lhe dá um gostoso frescor. E dessa região que vem a maioria dos bons Syrah chilenos, mas não podemos olvidar que nenhuma variedade é tão versátil como ela: vai bem no Maipo, ensejando vinhos picantes, encorpados, marcados pelas especiarias, mas também produz alguns dos melhores rubros do Chile nos frios Vales de Limarí, Casablanca e San Antonio (lista exemplificativa não é exaustiva), resultando em vinhos que conciliam potência e elegância com invejável maestria. Para muitos, depois da Austrália, os melhores Syrah do Novo Mundo são chilenos, que já conseguiram se equiparar aos Sul-africanos, que também elaboram alguns vinhos monumentais com essa variedade, mas infelizmente os de baixo custo são impregnados de excessivas notas químicas, principalmente borracha queimada (será essa uma característica dos terroir Sul-africano?) e madeira torrada. Os chilenos já conseguiram compreender que “menos é mais”, utilizando a madeira de forma judiciosa e por isso os aromas dos vinhos já não são mais unidimensionais (herbáceos ou compota) como antes, ao contrário, os modernos Syrah do Chile procuram seguir os descritores típicos da variedade conferindo-lhes a tão decantada e almejada tipicidade.
O blend escolhido pelo Enólogo Zamorano
Como supramencionado, o corte escolhido pelo enólogo-chefe da Caliterra estava composto de majoritariamente de Cabernet Sauvignon, Carménère e Syrah (respectivamente 65%, 25% e 10%). Impende destacar que não houve muita discussão do grupo para chegar a este consenso. Na realidade o grupo interagiu perfeitamente desde o início da degustação, de modo que ao se deparar com a possibilidade de elaborar seu próprio vinho, a convergência das opiniões era tamanha que apenas os porcentuais foram discutidos – 50 ou 60% de CS, 20 ou 25% de Carménère, 5 ou 10% de Syrah? Nesta ordem de ideias, o Cabernet Sauvignon foi unânime em elogios simplesmente porque é uma cepa magnifica no Chile, responsável por ter colocado o país definitivamente no cenário dos melhores/maiores produtores de vinhos do mundo. Para este escriba, somente o Chile consegue produzir vinhos desta variedade de qualidade tão consistente inclusive nos níveis iniciais (Hugh Johnson). Em seguida, os dois Carménères Caliterra receberam elogios: tanto o Tributo como o Edición Limitada “A” , esplêndido corte de Carménère com Malbec (a Caliterra tem vinhedos antigos dessa variedade, que se adaptou bem no Vale de Colchágua) surpreenderam os degustadores pelos baixos níveis de pirazina, isto é, sem aquelas cansativas notas de pimenta verde que nem os enólogos devem gostar. Como sabemos, os compostos da pirazina são muito importantes no sabor de alguns alimentos. E nas uvas, principalmente nas variedades Cabernet Sauvignon e Carménère aparecem em concentrações ainda mais elevadas. Por essa razão, cerca de 1/4 do blend recebeu Carménère. E, finalmente, a Syrah, uma das uvas que pontificam em Colchágua. E, foi nessa variedade que a maioria apostou, porque é notório que os Syrah de Colchágua são do agrado da maior parte dos críticos de vinhos do Brasil. E aqui que, salvo melhor juízo, erraram aqueles que apostaram nela como protagonista. Isto porque o vinho de Syrah levado por Rodrigo Zamorano estava jovem, com bons aromas (mais florais do que frutados), só que no paladar a força dos taninos ainda jovens acabou por prevalecer (um pouco além da conta), daqueles que reivindicam tempo na garrafa para seu completo arredondamento. Por esse fator, o grupo ficou na dúvida entre 5 ou 10%? …mas no final prevaleceu o número maior que revelou o acerto da escolha.
O vinho na taça
Na taça o blend exibiu cor púrpura intensa com grande profundidade. Essa é uma característica dos vinhos de Colchágua, principalmente dos tintos elaborados à partir de vinhas de mais idade que proporcionam um mosto mais escuro, de maior concentração. No nariz, uma verdadeira paleta de aromas com apontamentos florais (violeta principalmente) secundados por notas de cerejas e ameixas sobre madeira (cedro) e leve baunilha. Tudo isso entrelaçado harmonicamente. No paladar, sua entrada revelou um vinho de sólida estrutura. Sua coluna vertebral está calcada na Cabernet Sauvignon e seus taninos são macios em grande parte pela excelência da Carménère de Colchágua. Álcool generoso sem destoar do conjunto, que se impõe pela potência sem agredir o paladar. Além dos aromas, a Syrah contribuiu com acidez, eis que a amostra utilizada provada isoladamente se caracterizou por promover intensa salivação na boca. Enfim, tudo em sintonia neste suculento blend colchaguino-paulistano. No longo fim-de-boca, uma nota mentolada. Fica difícil para este escriba pontuar, mas o leitor sabe que não somos tão “mão aberta” assim, então vamos lá: 90/100 +
Conclusão
Elaborar um vinho nas circunstâncias supramencionadas foi um verdadeiro exercício de humildade. No meio de jornalistas tarimbados, colunistas de jornais, diretores de revistas, enfim, estar ao lado dos principais formadores de opinião do Brasil e ter a amostra elaborada escolhida foi, para este escriba, uma situação inusitada, inesperada mas sobretudo alvissareira e encorajadora. Mas o crédito vai para os amigos Renato Frascino, Álvaro Cézar Galvão e Ney Ayres, que revelaram a que vieram…e também aproveitamos para agradecer à importadora Decanter, na pessoa de seu Diretor-Geral da Decanter, o sempre gentil Edson Hermann.
Não há mais nada a dizer, texto mais que completo.