A Carménère encontrou sua casa no Chile salva da filoxera, uma praga que destruiu suas raízes em Bordeaux. A videira é particular e não aceita porta-enxerto americano, embora suas próprias raízes prosperaram em solos Sul-americanos, particularmente no sopé dos Andes e nos vales da costa sul de Santiago.

Por mais de um século, os chilenos pensaram em suas vinhas simplesmente a partir de Bordeaux e nunca nenhum ampelógrafo esteve lá para dizer-lhes que essa variedade era substancialmente diferente das plantações pós-filoxera de Cabernet Sauvignon, Merlot e Cabernet Franc. Embora a videira chamada de Merlot frequentemente amadurecia após Cabernet Sauvignon, ninguém questionou seu comportamento até que Alvaro Espinoza, filho de um professor de enologia observasse isso na Universidade Católica em Santiago, começou a cultivar vinhas na propriedade de Ricardo Claro (Santa Rita) em Buin. Claro havia contratado o jovem enólogo para estabelecer uma nova adega, a Viña Carmen (cujos primeiros Carménères que chegaram ao Brasil pela importadora Mistral tinham no rótulo o nome Grande Vidure – Nota do Tradutor) e Espinoza pediu a visita de um ampelógrafo para conferir algumas vinhas que não estavam se comportando como as outras. Jean-Michel Boursiquot sentenciou que elas eram Carménère ou Grande Vidure e Alvaro Espinoza passou a engarrafar o primeiro vinho rotulado com a variedade no Novo Mundo.

Alvaro Espinoza
Alvaro Espinoza

Hoje, há um expressivo número de vinhos de um único vinhedo produzidos a partir dessa variedade, incluindo Carmin de Peumo, ambicioso tinto da Concha y Toro, Microterroir – Los Lingues, o Carménère de Mario Geisse na Casa Silva, Kai de Errazuriz, Purple Angel da Viña Montes, Pehuén de Santa Rita e o Trinidad Vineyard Carménère de Ventisquero. O Clos Apalta, por exemplo, da Casa Lapostolle, é um blend baseado em grande parte em vinhas velhas de Carménère.

Numa recente visita ao Chile, encontrei-me com Ignacio Recabarren, produtor do lendário Carmin de Peumo, para falar da Carménère. Ele me conheceu em Pirque, na propriedade da Concha y Toro, com oito safras de seu Terrunyo Carménère e quatro safras do Carmim de Peumo. “Com Terrunyo, eu estou tentando fazer o vinho da forma mais simples possível, um vinho diretamente a partir do terroir local. Carmin é um vinho de luxo com mais camadas de sabores”, explicou. O Carmin de Peumo é mais rico em álcool, mais ousado no sabor, enfim um tinto denso, formidável. O Terrunyo Carménère, especialmente em boas colheitas, é mais elegante, com uma textura que define a variedade para mim.

“Antes da filoxera,” Recabarren me disse “a Carménère era cinqüenta por cento em Bordeaux. Tento imaginar os nossos vinhos como bordaleses e isso que me faz feliz.”

Ignacio Recabarren fez o primeiro Terrunyo Carménère em 1999, um vinho do bloco 27 do vinhedo Peumo da Concha y Toro, um terraço na margem norte do rio Cachapoal no Vale de Rapel. “No início, trabalhamos perto de 14,8, 14,9 graus de álcool”, diz ele sobre o primeiro engarrafamento. “Agora, desde 2008, nós estamos alvejando 14.5, 14.4.” Nesse nível, ele descreve a expressão da variedade, como ligada a um aroma de “sottobosco”, violetas, mirtilos e um pouco de cereja. Ele descreve Peumo como um lugar que a Carménère cresce com toda delicadeza, em comparação com os vinhos mais selvagens e poderosos de Apalta, em Colchágua. Ele também está intrigado com Miraflores, no sopé dos Andes, onde a Casa Silva tira as uvas de seu Carménère, o Microterroir.

Ignacio Recabarren
Ignacio Recabarren

Atribui ao  Terrunyo Bloco 27 safra 1999  94/100 pts., eis que o vinho ainda está vivo, intenso. É tenso e negro quando a garrafa é aberta, precisando de decantação antes, quando então exibe aromas terrosos e de cerejas escuras, com duração de alguns minutos. Pura elegância chilena!

A tempestuosa safra 2003 produziu o primeiro Carménère Carmin de Peumo de Recabarren, com 15,2% de álcool e 24 meses em barril. É flexível, intenso, trufado e com a fruta preta que caracteriza o Bloco 32. A safra também construiu doçura para o Terrunyo Bloco 27,  junto com aromas de tabaco e muitos taninos.

Mas a minha preferência nesta degustação de Carménères de Peumo recaiu sobre os vinhos das safras mais frias, com o sedoso Terrunyo 2004, um vinho de cor impenetrável com persistência longa e tranquila. A decantação trouxe o detalhe mineral nos taninos. Já o 2010 é gordo, esbanjando frutas vermelhas com taninos de textura elegante. Essa generosidade vai um passo além no Carmin de Peumo 2010, um vinho arrojado, suculento, com aromas de cogumelos selvagens.

Havia vários destaques entre os mais jovens, vinhos de safras mais frescas. Um deles foi o 2013 Lote 1, uma seleção de 4.000 garrafas do coração do bloco 27. Ele passou apenas seis meses em barricas e foi engarrafado um mês mais tarde do que o Terrunyo Carménère 2013. O vinho já tem personalidade, aromas florais e notável frescura.

Ilustração de Mike Ellis - Carménère
Ilustração de Mike Ellis – Carménère

E os 2011, tanto Carmin e Terrunyo? Carmin é um formidável tinto que mantém sua elegância, atingindo o equilíbrio almejado por Ignacio Recabarren, que vem se esforçando para crescer safra após safra com seus Carménères. Fiel à sua origem bordalesa, este é o tipo de vinho que exige envelhecimento para mostrar-se. Você pode desfrutar dele agora, mas seria melhor se você poder esperar dez anos para ter prazeres mais intrincados.

Já o Terrunyo Bloco 27 2011 combina a riqueza de frutas e textura acetinada de uma forma que só Carménère consegue, com taninos sedosos. As agradáveis notas “umami” de terra e tabaco são precursores da complexidade que irá desenvolver. A colheita fria é uma garantia de o que ele exibe como um vinho jovem que certamente irá superar o de 1999. Em uma dúzia de anos deverá estar surpreendente.

Aqui estão as minhas notas do Terrunyo 1.999 dadas em fevereiro de 2002: uvas bordalesas foram plantadas pelos chilenos e os seus enólogos continuam a olhar para Bordeaux como um modelo para seus tintos. Então é tentador comparar um vinho desta estatura com Bordeaux, mesmo que os franceses não cultivem mais a Carménère. Eles têm a cor púrpura, o belo manto que você pode associar com alto voo contemporâneo de Bordeaux, mas além de sua classe, há pouca coisa para se fazer com esses vinhos. Em vez disso, são tintos que falam dos ares noturnos da cordilheira sobre as vinhas à noite, trazendo os sabores de cereja acidas e uma suculência trazida pela brisa do mar que vai dar um pouco de austeridade a esses frutos. Esta grande exposição das vinhas que aumenta seus sabores radiantes. E, no entanto, por enquanto, está tudo obscuro, mas são tintos emocionantes esses Carménères!

Fonte: http://www.wineandspiritsmagazine.com/S=0/news/entry/carmenere-twenty-years-on

A seguir os cinquenta melhores Carménères da Wine Advocate (Robert Parker):

2003 Concha y Toro Carmin de Peumo Carmenere Peumo Vineyard 97
2005 Concha y Toro Carmin de Peumo Carmenere Peumo Vineyard 97
2007 Concha y Toro Carmin de Peumo Carmenere Peumo Vineyard 96
2008 Concha y Toro Carmin de Peumo Carmenere Peumo Vineyard 95
2004 Terrunyo Carmenere Peumo Vineyard 95
2006 Terrunyo Carmenere Peumo Vineyard 94
2008 Antiyal Carmenere Alto del Maipo Valley 93
2005 Casa Silva Carmenere Micro Terroir 93
2008 Casa Silva Carmenere Micro Terroir 93
2007 Terrunyo Carmenere Peumo Vineyard 93
2008 Terrunyo Carmenere Peumo Vineyard 93
2005 Terrunyo Carmenere Peumo Vineyard 93
2005 Arboleda Carmenere 92
2005 J & F Lurton Alka 92
2005 Santa Rita Carmenere Pehuen 92
2008 Terra Noble Carmenere Ca2 Costa 92
2011 Terrunyo Carmenere Peumo Vineyard 92
2007 Viu Manent Carmenere El Incidente 92+
2011 Antiyal Carmenere Vinedo Escorial 91
2005 Casa Silva Carmenere Los Lingues Estate 91
2009 Concha y Toro Carmenere Marques de Casa Concha 91
2007 Concha y Toro Carmenere Marques de Casa Concha 91
2009 De Martino Carmenere Alto de Piedra 91
2011 De Martino Carmenere Alto de Piedra 91
2007 De Martino Carmenere Alto de Piedra 91
2006 Errazuriz Carmenere Don Maximiliano Estate 91
2007 J & F Lurton Alka 91
2007 La Playa Axel Carmenere 91
2008 Montes Alpha Carmenere 91
2007 Montes Alpha Carmenere 91
2009 Montes Alpha Carmenere 91
2008 Santa Rita Carmenere Pehuen 91
2008 Terra Noble Carmenere Ca1 Andes 91
2009 Terra Noble Carmenere Ca2 Costa 91
2007 Undurraga Carmenere Founder’s Collection 91
2007 Vina Morande Carmenere Edicion Limitada 91
2008 Vina Ventisquero Queulat Gran Reserva 91
2010 Antiyal Carmenere Viñedo Escorial 90
2003 Apaltagua Grial Carmenere 90
2012 Apaltagua Carmenere Envero 90
2007 Caliterra Carmenere Tributo 90
2009 Caliterra Tributo Carmenere Single Vineyard 90
2009 Casa Silva Carmenere Reserva 90
2013 Casa Silva The Carmenere Project 90
2005 Casa Silva Carmenere Reserva 90
2011 Casa Tamaya T Carmenere 90
2009 Casa Tamaya Carmenere 90
2009 Casas del Bosque Carmenere Reserva 90
2007 Chono Carmenere Reserva 90
2009 Clos Ouvert Carmenere 90
Novas DOs Chile
Fonte: texto de Joshua Grene – http://www.wineandspiritsmagazine.com/S=0/news/entry/carmenere-twenty-years-on http://winechef.com.br/robert-parker-e-os-50-melhores-carmeneres-chilenos-da-historia/  Imagem de abertura: Carménère por Mike Ellis
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