No último dia 20 de setembro, a CVRA – Comissão Vitivinícola Regional Alentejana, organismo que certifica e promove os Vinhos do Alentejo, promoveu na Cidade de São Paulo uma degustação com mais de vinte vinícolas, que aproveitaram o momento para dar a conhecer as novidades e os rótulos que já se revelam ícones no mercado brasileiro. Além da participação na degustação livre, muitos profissionais, jornalistas, blogueiros e demais entendidos de vinhos também lotaram as degustações comentadas de vinhos alentejanos, conduzidas pelo jornalista brasileiro (RJ) Alexandre Lalas.
A grande novidade da degustação é que puderam ser degustados quatro vinhos elaborados segundo a tendência atual de recuperar métodos tradicionais do passado na elaboração de tintos: os vinhos de Talha, existindo até uma classificação vigente desde 2012, mas agora os vinhos começam a aparecer. A seguir informações sobre os vinhos de talha e nossas impressões da degustação conduzida com dinamismo pelo pelo referido periodista carioca:
Em Portugal, o Alentejo tem sido o grande guardião dos vinhos de talha, tendo sabido preservar até aos dias de hoje este processo de vinificação desenvolvido pelos romanos. Ao longo dos tempos, a técnica de fazer vinho em talhas foi sendo passada de geração em geração, de forma quase imutável. Ainda assim, não existe apenas uma maneira de fazer vinho em talhas, variando ligeiramente consoante a tradição local.
Também o crescente interesse dos produtores alentejanos pelos vinhos de talha e a instalação destas vasilhas de barro em algumas modernas adegas, levou à introdução no processo de algumas técnicas e equipamentos que visam facilitar o trabalho sem adulterar a essência da vinificação em talha.
Seguindo os processos mais clássicos ou adotando alguma modernização, o vinho de talha mantém-se como um produto único, sublime representante da milenar cultura do vinho no Alentejo.
Não existe apenas uma forma de fazer o vinho de talha. A maneira mais clássica de elaboração do vinho de talha, tal como o ilustre agrônomo António Augusto de Aguiar deixou registrado em 1876, não passa por prensa nem lagares fechados, servindo muitas vezes o próprio pavimento das adegas para a pisa e esmagamento da uva. As adegas, muitas vezes com arcos altos, têm janelas grandes por onde a uva é descarregada diretamente para o pavimento que é lajeado e esconso para o centro de forma a que o mosto siga, deslizando, para uma cisterna ou talha enterrada.
Esta cisterna tem o nome de “ladrão” (ou também “adorna”, por exemplo na Vidigueira), e serve igualmente como segurança para o caso de alguma das talhas rebentar com a pressão não se perdendo o vinho derramado. À medida que foram sendo introduzidos lagares e esmagadores manuais nas adegas, o ladrão tomou sobretudo a referida função de segurança em caso de rebentamento de talhas, algo que não sucede assim tão poucas vezes.
Com a chegada da uva à adega, a mesma é esmagada antes de seguir, com ou sem engaço, para as talhas. Tradicionalmente, e nos casos em que o ladrão é utilizado, o mosto nele acumulado é vertido para as talhas com recurso a canecas ou baldes. Muitas são as adegas onde se encontram ainda ripadeiras (ou mesas de ripanço) para que se faça o “ripanço”, ou seja o desengace (retirar a parte lenhosa do cacho) das uvas à mão com recurso a um tabuleiro ou mesa formado por uma grade de ripas paralelas de madeira. Na maioria dos casos, porém, o desengace é efetuado por desengaçadores elétricos que separam os bagos do engaço.
Quanto ao papel do engaço na fermentação, cada produtor e localidade tem a sua própria tradição e modo de fazer: em Reguengos encontramos quem usa algum engaço para contribuir com maior arejamento das massas e permitir um efeito de filtração, e em Cuba é comum usar sempre a totalidade do engaço pelas mesmas razões. Alguns produtores preferem a fermentação sem qualquer engaço. Atualmente, logo após o esmagamento das uvas é adicionado ao mosto uma pequena porção de dióxido de enxofre mais conhecido por anidrido sulfuroso (vulgo sulfuroso) a título de desinfetante para que elimine bactérias e as leveduras mais frágeis e indesejáveis permitindo que apenas as melhores estirpes sobrevivam e tomem contra do processo fermentativo.
Durante a fermentação, as massas vínicas (que tradicionalmente continham ainda alguns bagos inteiros por a pisa ser incompleta) são mexidas artesanalmente com um rodo de madeira (que tem a mesma função dos êmbolos compridos de madeira chamados “macacos” no Douro e na Bairrada e utilizados nos lagares). Estas operações ocorrem várias vezes por dia (no mínimo duas vezes, mas geralmente mais), incluindo, por vezes, durante a noite a fim de procurar evitar que as massas à superfície obstruam a boca da talha e origine o seu rebentamento.
Em vários casos, as adegas encontram-se a alguns metros abaixo do solo para que o ambiente durante a vinificação seja o mais fresco possível e com menos oxigênio (o que exige a cautelas redobradas para quem nela labora, em especial durante a fermentação com a produção e libertação de dióxido de carbono). Adicionalmente, para baixar a temperatura da própria talha, é comum umedecer-se exteriormente a mesma diretamente com água várias vezes por dia (beneficiando do rebordo decorativo normalmente existente a toda a volta da talha e que ajuda a espalhar a água por toda a superfície), ou colocando à volta da talha sarapilheira e/ou panos molhados, podendo com estes meios baixar a temperatura de fermentação para cerca de 17º a 18º C. Fonte: CVRA
A fermentação termina, em regra, após 8 a 15 dias da entrada das uvas na talha, demorando ainda mais algumas semanas para que a parte sólida dos cachos (chapéu) – que no início deste processo estava à superfície – se deposite no fundo da talha. Essa parte sólida terá um papel fundamental na filtragem do vinho, quando da trasfega ou da abertura da talha para consumo direto.
Depois da fermentação completada e tendo o vinho repousado algumas semanas com as massas, há uma opção a fazer: ou se coloca uma torneira no orifício (tapado com um batoque de cortiça) existente a 30 cm do fundo da talha, muitas vezes recorrendo a ráfia ou palha para vedar, e se serve o vinho diretamente da talha, como é comum nas tabernas; ou a talha é esvaziada – numa operação que demora entre 1 a 2 dias – sendo o vinho passado para uma outra talha de barro, onde atravessará o Inverno até ser consumido ou engarrafado no início do ano seguinte (raramente depois de Março). As massas que ficaram na talha onde o vinho fermentou são retiradas manualmente, implicando, regra geral, que um homem de pequena estatura entre no seu interior. O processo acima descrito, com as suas variantes, é tradicionalmente o mesmo tanto para brancos como para tintos, sendo ainda comum a mistura dos dois tipos de uva, dando origem a um vinho rosado chamado de “petroleiro” exatamente por causa da cor com que ficava.
Nesse período, é comum em algumas localidades (como Reguengos) que as talhas contendo vinho sejam resguardadas do ar através de tampas de madeira ou de barro, ou mesmo com papel pardo, (chamada “tampa sólida”) que, contudo, não são totalmente eficazes permitindo sempre alguma oxigenação. Já em alguns produtores artesanais da Vidigueira e noutras localidades, a talha mantém-se aberta no topo, apenas com azeite, de um dedo de altura, a impedir que o ar entre em contato com o vinho (“tampa líquida”).
Também é possível, naturalmente, utilizar a talha apenas como vasilha de fermentação e nada mais. Ou seja, depois de o mosto fermentar e dar origem ao vinho, é retirado da talha através de bombagem mecânica, e passado para uma cuba de aço inox ou barrica de madeira, tal como acontece na generalidade das modernas adegas. Apesar de, com este processo, não se usufruir do contato prolongado com as massas e do arejamento típico da talha, tira-se partido da fermentação natural num recipiente semi-poroso e de pequena capacidade e do trabalho manual de mergulho das massas vínicas no mosto, o que só traz benefícios ao produto final. Fonte: CRVA
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