O Encontro Mistral 2019 realizado em São Paulo nos dias 27 e 28 de maio de 2019 demonstrou que é um dos grandes eventos da atualidade. O público prova brancos, rosés e tintos e conversa com quem os faz ou os representa, num colóquio de duas mãos: o consumidor fica conhecendo melhor sobre seus rótulos prediletos, enquanto o produtor aprende como seus vinhos são percebidos por quem os consome (JLGP). A seguir, realizamos uma entrevista com um dos irmãos do clã Pisano, o Eduardo, que produz alguns dos melhores vinhos do Uruguai. Depois, degustamos os vinhos e lançamos nossas descrições e avaliações. No fim do texto a nossa conclusão.

Mais de três séculos de tradição vinhateira da Itália respaldam a Família Pisano na nobre tarefa de produzir de forma artesanal vinhos finos de qualidade destacada. No Uruguai, a história começa em 1870, quando Francesco Pisano, bisavô de Daniel, Eduardo e Gustavo chega pela primeira vez vindo da Liguria. Em 1914, Cesari Pietro Secundino Pisano, filho de Francesco, se instalou na região de Progreso (25 km ao Norte de Montevidéu) e plantou os primeiros vinhedos. Em 1924 foi realizada a primeira colheita de Tannat dando início a essa bodega que atualmente já está entrando na 5a. geração de descendentes. A vinícola atualmente é administrada pelos irmãos: Daniel, Eduardo e Gustavo. O primeiro cuida das exportações, o segundo é viticultor e o terceiro é enólogo. Atualmente, cerca de 90% de seus vinhedos são “quase” orgânicos. “Quase” porque ainda não houve a certificação do Ministério da Agricultura, que não deve tardar. Os solos são franco-argilosos e calcários. Não são utilizados inseticidas/pesticidas. Leveduras naturais, produção reduzida de cerca 1,5 garrafa por planta (baixa produção) e plantação por espaldeira tradicional são alguns dos métodos utilizados. São cultivadas (brancas): Chardonnay, Sauvignon Blanc, Viognier e Torrontés. Variedades tintas: Tannat, Cabernet Sauvignon, Merlot, Pinot Noir, Syrah e Petit Verdot. Pisano é uma vinícola dinâmica. Sempre está inovando, um de seus últimos lançamentos é um vinho rosé, Cisplatino Cabernet Franc Rosé 2018 (disponível no Brasil através da Mistral por US$ 20,50).

            Entrevista com Eduardo Pisano – Encontro Mistral  2019 – 28.05.2019

  1. -Fale-me de você, sua formação? Resposta: sou técnico-agrônomo, cuido dos vinhedos,              da parte agrícola e da administração da vinícola. Somos três irmãos. O Daniel Pisano                 cuida das exportações e o Gustavo é o nosso Enólogo.
  2. 02.-  Qual o estilo dos vinhos Pisano? Resposta: são vinhos de caráter, personalidade, gostosos de beber e longevos. São vinhos de nichos de mercado. O mundo é denominado por grandes empresas vinícolas, nós estamos aonde elas não conseguem chegar ou se desinteressam. Estamos nos lugares daqueles nichos de mercado que querem algo especial.
  3. 03.- Quantos anos a Pisano levou para ser reconhecida como produtora de vinhos de qualidade? Resposta: antigamente, no tempo dos nossos avós a vinícola já era bem conhecida, mas a fama veio mesmo no fim da década de 1970/80 com a união dos três irmãos, então o Daniel obteve o primeiro reconhecimento internacional na França, na VINEXPO.
  4. 04.- Qual a principal diferença entre os vinhos Pisano e os melhores vinhos da Argentina e do Chile? Resposta: outro clima porque temos influência do Atlântico, solos diferentes. Nossos vinhos tem caráter, personalidade própria.
  5. 05.- A produção anual é de quantas garrafas? Para quantos países são exportadas? Quais os principais mercados? Resposta: 350.000 garrafas. Metade exportadas para 40 países: EUA/Inglaterra/Bélgica e Brasil.
  6. 06.- Está havendo um aumento no consumo de Tannat pelos brasileiros ou o consumo se estabilizou? Resposta: sim, porque o brasileiro tem interesse por novidades.
  7. 07.- O espumante de Tannat está vendendo bem ou as pessoas o desconhecem? Resposta: esse espumante já fora importado pela Mistral no passado que agora retomou a importação. Combina muito bem com churrasco que nós gostamos e os brasileiros também! É um espumante fresco cujos taninos são suavizados pelas borbulhas. Apropriado também para Feijoada.
  8.  08.- Pisano pensa em produzir em outras regiões do Uruguai? Resposta: não, ficaremos somente em Progreso, Depto. de Canelones.
  9. 09.- A Alvarinho está sendo cultivada ensejando brancos diferenciados no Uruguai. Pisano pensa em produzir um? Resposta: como você sabe Pisano só trabalha com uvas próprias. Temos Viognier, Chardonnay, Moscatel, Torrontés, etc. Não descartamos essa hipótese. Estamos pensando em experimentar.
  10. 10.- O aquecimento global tem repercutido nas vinhas? Resposta: nós trabalhamos com viticultura sustentada, observamos mudanças nos vinhedos a longo prazo, mas relativamente às outras regiões vinícolas os efeitos no Uruguai são mínimos.
  11. 11.- Além da Tannat, qual a variedade de importância para Pisano? Resposta: A Petit Verdot tem uma excelente adaptação no Uruguai. Ela dá vinhos potentes, tânicos. Ela tem comportamento muito parecido que a Tannat nos vinhedos, portanto, basta controlar sua produção (ela é prolífica), sua folhagem que ela atinge  maturidade total.
  12. 12.- Pisano pensa em produzir um vinho de 100 pontos ou isso é irrelevante? Resposta: o nosso objetivo não é esse. Produzimos vinhos saborosos, que dão prazer e que tem muito caráter.
  13. 13.- Quais os principais cuidados que se tem que ter com a Tannat? Resposta: o controle da sua produção é o principal. Feito isso seu amadurecimento é perfeito. A chave é colhê-la no ponto certo.
  14. 14.- O prestígio dos vinhos do Uruguai está crescendo. O que falta para alavancar de vez esse prestígio? Resposta: a nossa qualidade está crescendo. Acredito numa maior difusão.
  15.  15.- Como você avalia os vinhos do Velho Mundo? Resposta: não os tenho em um pedestal. Há bons e ruins. Como têm muita história devemos aprender com suas técnicas e experiências. Há muitas bodegas familiares no Uruguai. Elas dão caráter  aos vinhos. É isso que os torna ricos, saborosos. Nós da Pisano nunca fazemos o que não gostamos para vender.
  16. 16.- Qual o segredo para a madeira não se sobrepor à fruta? Resposta: há vinhos que merecem madeira e outras não. No Pisano RPF Pinot Noir usamos somente madeira de segundo e terceiro usos. A madeira nova só utilizamos em alguns dos vinhos que degustamos.
  17. 17. Qual o segredo para manter o frescor de brancos e espumantes? Resposta: não sou enólogo, mas o segredo está na uva, nas técnicas de elaboração, as nossas uvas tem acidez natural porque não precisamos corrigir a acidez. Impedimos a oxidação, ficamos atento à variação térmica, etc..
  18. 18.- Qual o mercado mais exigente dos vinhos Pisano – EUA, Inglaterra Japão? Resposta: cada mercado tem sua característica, mas para nós a França. Conseguimos introduzir nossos vinhos em restaurantes com 3 estrelas Michelin. É um orgulho e ao mesmo tempo um desafio!
  19. 19.- Faça um panorama das última cinco safras: 2019, 2018, 2017, 2016 e 2015? Resposta: em 2019 tivemos uma boa safra que, contudo, não terá o nível de excelência das safras anteriores, porque choveu perto da colheita. 2018 foi uma boa safra, antecedida por suas consideradas excepcionais: 2015, a melhor do século até agora seguida por 2017. 2016 ficou entre duas safras excepcionais e produziu vinhos de grande qualidade.
  20. 20.- Depois do Brasil qual o principal mercado da Pisano? Resposta: o Perú é um mercado importante, eis que houve um grande avanço da gastronomia. Há vinhos de toda parte do mundo, como no Brasil.

A seguir nossas descrições e avaliações dos vinhos provados no Encontro Mistral:

Pisano Cisplatino Torrontés – Blogdojeriel.jpg

Pisano Cisplatino Torrontés 2018 – US$ 20,50 – Álcool: 13,5% – palha claro com reflexo esverdeado. Aromas florais sobre frutas tropicais – aqui o maracujá se destaca. Na boca tem a vivacidade típica da casta. Seu perfil é mais amável do que alguns Torrontés produzidos do outro lado do Rio da Prata, porque é delicado, fino, sem amargor. Marcado pela acidez, apresenta acento mineral. Termina redondo, frutado e sedoso. Elaborado com clone Riojano de Chilecito, Noroeste da Argentina, tem tipicidade bem marcada. Avaliação: 89/100 pts.+

Eduardo com uma garrafa do Pisano Cisplatino Rosé, um vinho feito para “ganhar o mundo”

Rio de los Pájaros Reserva Cabernet Franc Rosado 2018 – Álcool: 13% – (US$ 20,50) – A cor é simplesmente sedutora e convidativa, entre salmão e groselha com bastante brilho. Os aromas são típicos, com notas florais seguidas por frutas vermelhas. A Cabernet Franc é sempre mais aromática do que sua irmã Cabernet Sauvignon. Na boca é seco, exibiu taninos suaves, macios e a boa acidez assegura o balanço e frescor do conjunto, que tem profundidade gustativa. Enfim, este é um exemplar de excelente tipicidade no Uruguai. Avaliação: 88/100 pts.+

Rio de los Pájaros Pinot Noir Reserva

Rio de los Pájaros Pinot Noir Reserva 2018 – US$ 26,90 – Álcool: 13,5% – Coloração esmaecida. Aromas abertos com fruta vermelha e ligeiro tostado. Boca leve, fluída, redonda, confirmando a fruta vermelha do nariz e a acidez típica da casta. Taninos leves, final sem amargor. Madeira bem colocada (carvalho francês de segundo uso), boa persistência final num vinho balanceado, fácil de beber. Avaliação: 89/100 pts.+

Espumante de Tannat Pisano – Este é um caso único no mundo eis que não se conhece outro espumante natural elaborado con Tannat. Blogdojeriel.jpg

Pisano Brut Nature Tannat “Rio de Los Pájaros Reserve” 2017 – US$ 45,90 – Álcool: 13,5% – Espumante de Tannat, método Champenoise, retinto na cor e fechado nos aromas. Uma ponta de violetas sobre framboesa sobre um fundo herbáceo. Boca densa e tânica comuma ponta de austeridade contrabalançada pela acidez e pelo gás que lhe aportam frescor. Mastigável, com doçura, concentração e grande efervescência. Deve crescer à mesa – sua verdadeira vocação – como acompanhamento de Parrilla, por exemplo. Avaliação: 89/100 pts.+

Tannat-Syrah e Viognier: um corte acidental que se transformou em Bestseller. Um vinho de nítido acento uruguaio, com a Tannat dominando mais da metade do corte.

Rio de los Pájaros Tannat (55%), Syrah (40%) e Viognier (5%) Reserva 2017 – US$ 26,90 – Álcool: 13,5% – Coloração intensa, profunda, com reflexo púrpura. Aromas abertos com fruta vermelha e especiarias destacando. Boca macia, fluída, redonda, confirmando os aromas e surpreendendo pelo intenso frescor. Taninos finos, final sem amargor. Madeira bem colocada (carvalho francês de segundo uso), boa persistência final. Enfim, um vinho surpreendente, que demonstra que a Tannat também cresce nas parcerias. Avaliação: 89-90/100 pts.+

Pisano RPF Tannat  2013 – Blogdojeriel.jpg

RPF Tannat 2013  –  Álcool: 13,5% – Importador: Mistral – Preço: US$ 36,90 – Vermelho-rubi intenso, profundo. Nariz fino com notas de licor de cassis, toque lácteo sobre um fundo mentolado. Complexidade aromática acima da média para um Tannat! Na boca a sua maciez é digna de nota. Balanceado e concentrado, a rusticidade da Tannat quase não aparece neste tinto fresco, macio e suculento, de boa persistência gustativa. Avaliação: 89-90/100 pts.+

Pisano RPF Petit Verdot – Blogdojeriel.jpg

RPF Petit Verdot 2015 – Álcool: 13,5% – Importador: Mistral – Preço: US$ 36,90 – Vermelho-rubi intenso, profundo, quase negro. Nariz de média complexidade com especiarias sobre um fundo herbáceo. Na boca é um vinho quente, de taninos de boa qualidade, acidez plena, enfim, mastigável, expansivo, encorpado, que obedece aos ditames desta intricada variedade. Colossal na sua tipicidade e suculência. É sempre bom lembrar que 2015 foi uma safra que rendeu excelentes vinhos para o Uruguai, portanto, vai longe na garrafa! Avaliação: 89/100 pts.+

Pisano Aretxea

Família Pisano Arretxea Gran Reserva 2011 – Álcool: 13,5% – Importador: Mistral – Preço: US$ 69,90 – blend elaborado com Tannat, Cabernet Sauvignon e Merlot em proporções iguais, exibiu a estrutura típica dos bons tannats uruguaios sem invasão da madeira que, como nos vinhos anteriores, atua apenas como coadjuvante e nunca como protagonista. Aromas que recordam licor de cacau, chocolate sobre um toque delicadamente herbáceo. Suculento, profundo, cujo triângulo álcool, acidez e taninos está integrado. De acento mineral, seu sabor evoca ameixa preta. Enfim, um tinto elegante e saboroso que retrata com fidelidade a singularidade dos vinhos Pisano, com um toque bordalês. Por fim, nem parece ter oito anos! Avaliação: 92/100 pts.+

CONCLUSÃO

Degustar os vinhos Pisano é um exercício de prazer por preços acessíveis (quase todos os vinhos). Pisano é prova inconteste de que o Uruguai não é só Tannat. Todos seus vinhos, sem exceção, procuram obedecer os estritos cânones das cepas utilizadas. Aprovamos os Torrontés. O Rio de Los Pájaros Tannat/Syrah e Viognier é um verdadeiro “best value for money”. O mesmo a Pinot Noir, uva de pouca tipicidade fora de sua terra natal, a Borgonha, agradou porque é palatável, fresco e redondo. Não pode ser apontado como paradigma da casta, mas seu nível de qualidade não está abaixo do que se produz na Argentina e no Chile, por exemplo. O espumante de Tannat é exclusivo da Pisano e tem tipicidade única. O rosé de Cabernet Franc também esbanjou frescor. Enfim, neste Encontro Mistral 2019 pudemos degustar com alguma tranquilidade todos os vinhos Pisano e obtivemos a confirmação daquilo que já sabíamos. Pisano não é só Tannat, Pisano é sinônimo de vinhos bem feitos, com utilização judiciosa da madeira, álcool integrado, boa acidez, expressão de fruta e principalmente sentido de lugar. Vale a pena experimentar, comece pelo Torrontés, muito diferente de alguns exemplares argentinos e prove todos RPF. Se puder, continue subindo (Pisano Arretxea e Axis Mundi) e termine com o delicioso Licor de Tannat Etxe Oneko ou Fabula Late Harvest. Tenho certeza de que você vai gostar!

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