Espumantes pt

 

Por Rui Falcão

Os dias em que os espumantes estavam confinados à Bairrada ou, mais tarde, ao termo de Lamego acabaram. Hoje fazem-se espumantes por todo o país. E, acima de tudo, fazem-se espumantes muito bons.

Os portugueses, tal como todos os seres humanos, são animais de hábitos. Durante mais de um século habituâmo-nos a associar vinho espumante com a região vinícola da Bairrada, com o nome das grandes caves que enriqueciam a região, com as dezenas de vinhos espumantes saídos de pequenas vilas com nomes exóticos como Anadia, Sangalhos, Cantanhede ou Mealhada. Habituâmo-nos, tal como a maioria dos turistas que faziam a viagem de carro entre Lisboa e Porto pela estrada nacional, a parar nos ilustres restaurantes da região para comer o famoso e obrigatório Leitão da Bairrada enquanto nos deliciávamos com os vinhos espumantes da região.

Mais tarde surgiu o interesse pela região em redor de Lamego, no norte mais interior e montanhoso de Portugal, terra alta, pobre e agreste que faz fronteira com a região do Douro. Apesar de Lamego estar afastada dos principais eixos rodoviários, apesar de ser tão distante e agreste, acabou por transformar-se na outra grande região do vinho espumante português, confirmando-se como alternativa à região pioneira da Bairrada. Távora e Varosa, o nome oficial da região que toma o nome dos dois rios principais que atravessam as montanhas, transformou-se numa referência de culto tanto para os enófilos como para os consumidores mais despreocupados graças a dois dos grandes ícones da região, dois produtores que para muitos portugueses se converteram em sinônimo de espumante, os produtores Raposeira e Murganheira.

Durante várias décadas as regiões da Bairrada e Lamego disputaram o mercado de vinhos espumantes de forma quase intocável reinando sobre as demais regiões. Raros eram aqueles que se atreviam a elaborar vinhos espumantes fora destas duas paragens, raros eram aqueles que se lançavam numa empreitada que exigia investimentos substanciais sem garantia de retorno. Os medos subsistiam não por melindre ou por qualquer tipo de proibição ou protecionismo mas simplesmente pela inércia dos produtores e pelo peso comercial das duas regiões que dominam o mercado. A resignação e demissão de muitos produtores abonaram décadas de estagnação e imobilismo nos espumantes portugueses.

De repente, e sem que nada o fizesse prever, os espumantes portugueses explodiram de atividade e subversão das regras impostas. Num súbito ataque de democracia vínica, dezenas ou mesmo centenas de novos produtores de todas as regiões começaram a pretender elaborar vinhos espumantes. Para tal desenlace e súbita libertação dos grilhões do passado muito contribuiu a figura do enólogo consultor, uma criação relativamente recente no universo conservador do vinho.

Muitos desses enólogos consultores passaram a ser igualmente empresários na área representando equipamentos e técnicas, alugando máquinas e fornecendo serviços como o aluguer de prensas, equipamentos de frio, sistemas de engarrafamento, linhas de rotulagem… e equipamentos para a espumantização do vinho. Num ápice, o processo de espumantização passou a ser mais fácil e muito menos oneroso, os incentivos passaram a ser mais atraentes e a febre dos vinhos espumantes começou a atingir as prateleiras e a inflamar a curiosidade dos consumidores.

Muitos produtores descobriram o potencial das suas vinhas e muitos consumidores descobriram os predicados dos vinhos espumantes, a qualidade e a facilidade de harmonização com a mesa. Muitos viticultores e produtores descobriram que as vinhas situadas a maiores altitudes, onde é mais fácil manter a acidez, proporcionavam uvas primorosas para os vinhos espumantes. Outros, sobretudo aqueles com vinhas situadas nos climas mais frios de Portugal, descobriram uma nova competência em vinhas que até então lutavam por completar uma maturação correta. Nenhuma região ficou imune a tamanho frenesi, nem mesmo o Alentejo ou o Tejo, regiões de clima mais quente, com vinhos mais maduros e onde por vezes não é fácil encontrar a acidez pungente que é indispensável para elaborar os vinhos base, ainda antes da segunda fermentação em garrafa, ainda antes da espumantização.

O dilema do método clássico

Como muitos descobriram por experiência própria e pelos desafios a que têm sido submetidos fazer vinhos espumantes não é fácil ou barato, sobretudo quando se sabe que a produção portuguesa é na quase totalidade dos casos elaborada segundo o método clássico, o mesmo método ancestral, fiável mas demorado, que é seguido na região francesa de Champagne. Ao contrário do que fez escola em muitos outros países do mundo, Espanha, Itália ou Alemanha incluídas, a quase totalidade dos produtores nacionais continuam a seguir os preceitos clássicos da espumantização natural, o melhor método para criar uma bolha mais fina, elegante e intensa, descartando o método de produção contínua conhecido como Charmat, técnica de resultados muito mais rápidos e custo muitíssimo inferior… mas de resultados inferiores na integração da bolha.

Os resultados finais dos espumantes portugueses são muito melhores mas o custo é também ele superior, não só nos custos econômicos diretos como nos custos indiretos, no tempo de imobilização das garrafas na adega, na falta de remuneração imediata, nos encargos de estoques elevados. Muitos produtores, sobretudo nos espumantes mais tradicionais e de melhor qualidade, deixam o vinho repousar durante mais de quatro anos chegando, em casos excepcionais, a deixar o vinho no repouso da segunda fermentação durante quase oito anos. Bairrada, Vinho Verde, Távora-Varosa e Bucelas são as regiões que apresentam melhores condições naturais para a elaboração de grandes vinhos espumantes.

Cinco escolhas de espumantes

Espumantes pt5

Quinta das Bágeiras Grande Reserva Bruto Natural

Mário Sérgio Alves Nuno é a alma e coração da Quinta das Bágeiras, um produtor bairradino muito pequeno, quase boutique, que transformou num dos principais guardiões das tradições da região. Mário Sérgio é um classicista assumido, animado pelo respeito às castas locais e adepto ferrenho da manutenção das práticas intemporais da Bairrada. Tudo é feito à moda antiga e em respeito pela natureza e pela tradição, sem facilitismos, sem dogmas, sem receitas. Os vinhos da Quinta das Bágeiras encontram-se entre os melhores da Bairrada e de Portugal os espumantes não são exceção. Mário Sérgio é um dos poucos produtores que continua a apostar nos espumantes velhos, vinhos complexos e vivos, vinhos quase intermináveis. O Grande Reserva sem adição de açúcar de expedição é um espumante clássico repleto de notas de fermento de padeiro, chá preto, biscoitos e ervas aromáticas secas. Complexo e vivo termina longo e misterioso.

Preço: 18 €

Murganheira

Murganheira Cuvée Reserva Especial Bruto

O nome Murganheira é sinônimo de alta-costura quando falamos de vinho espumante. É indiscutivelmente o produtor mais reconhecido, aquele que mais apostou nos vinhos espumantes, a que se dedica quase em exclusividade, aquele que tem maior predisposição congênita para guardar os seus vinhos por longos períodos de tempo. É um dos raros produtores que assume de forma estratégica o risco financeiro de envelhecer os vinhos em cave por períodos muito longos, de lançar espumantes com mais de uma década de estágio em garrafa. Os resultados são felizmente palpáveis e estão à vista de todos. Muitos dos espumantes da Murganheira são realmente muito bons. O Cuvée Reserva Especial chega a patamares qualitativos pouco habituais envolvendo-se numa tonalidade amarela ouro muito pálido. Brilhante nas notas de padaria, nos aromas de torrada e nos leves traços de licor, denota uma complexidade pouco habitual nos vinhos espumantes. Delicado e fresco, viçoso e revigorante, complexo e distinto, é um dos grandes espumantes nacionais.

Preço: 20.40 €www.garrafeiravinogrande.com

Espumantes pt4

Vértice Millésime Bruto

É um dos raros projetos nacionais que nasceu com a intenção declarada de produzir vinhos espumantes, que nasceu de e para os vinhos espumantes. E logo no Douro, uma região que até à criação do Vértice não era contemplada como região natural para este tipo de vinhos. Com raiz no coração do Douro, assentando praça nas imediações de Alijó, nas terras mais altas do Douro, o Vértice é, por direito próprio, um dos nomes mais sonantes e prestigiados dos vinhos espumantes portugueses. Celso Pereira capitaneia o barco e fá-lo com a maestria de quem sabe do que fala e faz. Vértice e Celso Pereira acabaram por ser dois nomes que se confundem tal a dedicação de Celso Pereira à causa do Vértice, bem assessorado por Pedro Guedes, o outro mentor dos vinhos espumantes que saem de Alijó. O Vértice apresenta-se algo misterioso na sua cor moderadamente salmonada. Frutado e muito ligeiramente floral, especiado e rico, exibe uma suavidade de boca quase comovente, uma alegria contagiante e uma frescura completamente transbordante. Seco, sem excessos, tenso na acidez, delicado na bolha, é um belíssimo espumante que mostra bem a arte da casa.

Preço: 23.50 €, na Garrafeira Tio Pepe, Porto http://garrafeiratiopepe.pt

Espumantes pt1

Quinta da Murta Reserva Bruto

Os vinhos da Quinta da Murta, de Bucelas, apresentam-se cada vez mais sérios e coerentes, melhorando de ano para ano de forma controlada e sistemática. Apesar da eloquência de outros vinhos, têm sido os espumantes a levantar o nome da Quinta da Murta, ameaçando transformar-se numa referência do estilo dentro da região de Lisboa. É verdade que Bucelas dispõe de belíssimas condições naturais para aprontar vinhos espumantes com um clima medianamente fresco, uma acidez inata e uma casta relativamente neutra e com boa acidez, a Arinto. Características que têm sido bem aproveitadas pela Quinta da Murta para apresentar espumantes de sucesso e para a situar como uma casa a seguir com atenção. Neste Reserva da Murta o nariz clássico define com exatidão aromas de bolacha e de padaria, mostrando-se complexo e ajuizado no equilíbrio entre frescura e aromas terciários. Fresco e tenso na boca, termina viçoso e jovial.

Preço: 10 € (edição de 2008)

Espumantes pt1

Quinta de San Joanne Reserva Bruto

Os vinhos e as vinhas da Casa de Cello, mais conhecidas como Quinta de San Joanne, são intrinsecamente diferentes do panorama tradicional da região do Vinho Verde anunciando uma perspectiva alternativa ao padrão tradicional da região. A escolha singular das castas contribui para essa diferenciação tal como a experimentação constante, os rendimentos reduzidos na vinha e a aposta decidida na excelência. Para a espumantização conservaram maioritariamente a Azal, casta que poderá oferecer muito na região. Muito mais porém que uma seleção original de castas, muito mais que a simples exposição do terroir, são o homem e as suas práticas que diferenciam os vinhos da Casa de Cello. Práticas que se atestam na vinha, na adega e na filosofia, privilegiando rendimentos muito baixos e uma aposta decidida em vinhos brancos com idade, com estágio prolongado e engarrafamento tardio. Este Reserva Bruto marca essa disposição revelando um nariz que surge vincado por notas fumadas enigmáticas, pela promessa de iodo e pelas notas de farmácia, bem como breves apontamentos de brioche. Termina com uma bolha delicada e bem integrada e um final longo e prazenteiro.

Preço: 17  €

Fonte: http://fugas.publico.pt/Vinhos/334691_os-espumantes-portugueses-entraram-na-moda-e-ainda-bem – publicado em 24.05.2014, texto de autoria de Rui Falcão.

 Rui Falcão, um dos mais conceituados críticos de  vinhos de Portugal.
Rui Falcão, um dos mais conceituados críticos de vinhos de Portugal.
(Visited 969 times, 969 visits today)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *